18 de março de 2010

RESEX MARINHA VERSUS PÓLO NAVAL NA BAÍA DO IGUAPE Catherine Prost – Universidade Federal da Bahia

Pessoal,

Muito interessante esse trecho de um artigo da Catharine.
Quem desejar ler o artigo todo acesse:


http://www.uff.br/vsinga/trabalhos/Trabalhos%20Completos/Catherine%20Prost.pdf



Potenciais impactos negativos
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A conflituosidade entre 2 modelos de desenvolvimento O pólo naval é apresentado portanto como uma excelente oportunidade para relançar a economia no Recôncavo sul, além de ter repercussões positivas sobre a siderurgia na Bahia.
Todavia, se a população não pesqueira do município de Maragojipe tende a aprovar o projeto, não se pode dizer o mesmo das populações pesqueiras da resex, nem de várias organizações sociais e ambientalistas e parte da comunidade universitária como atestam os questionamentos feitos em audiências públicas e seminários organizados na UFBA.
O anúncio de empregos que tanto atrai parte da população é questionável à luz de eventos passados na região. De fato, empreendimentos como a barragem e central hidrelétrica Pedra do Cavalo ou a indústria petrolífera em municípios como Madre de Deus ou São Francisco doConde mostram o quanto a população local é marginalizada no mercado de trabalho. Empesquisa realizada por mim em Madre de Deus, se levantou a precariedade da situação daspopulações pesqueiras do município. Com efeito, a pesca e a mariscagem registraram uma diminuição sensível das capturas desde o início das atividades por razões diversas elencadas aseguir: poluição por vazamentos de óleo e derivados, obstrução de canal na maré baixa porcausa da instalação de dutos, redes rasgadas nas estruturas de perfuração, dentre outrosfatores. Em razão disso, os pescadores e marisqueiras enfrentam muitas dificuldades desobreviver apenas da pesca. Muitos procuram se empregar na indústria de petróleo – emcargos pouco qualificados - mas declararam também a precariedade da estabilidade dotrabalho além da necessidade de pagar para adquirir as qualificações necessárias. Os royaltiesque as prefeituras recebem da Petrobras não se traduzem em benefícios econômicos e sociaispara esse segmento da população.
Além disso, do ponto de vista social, o anunciado desenvolvimento sustentável propalado pelo governo estadual corre fortemente o risco de se traduzir na realidade por efeitos danosos do
ponto de vista social e cultural para as populações. De fato, em excursão organizada pelo INGÁ em agosto de 2009, no âmbito do projeto Iguape Sustentável, encontros realizados com representantes de várias comunidades ribeirinhas contempladas no projeto foram instrutivos.

Um secretário da prefeitura de Maragojipe informou a equipe do Iguape Sustentável de um efeito da perspectiva do pólo que já se faz sentir no município: a especulação imobiliária e fundiária. Já não se encontra casas ou apartamentos para alugar na sede municipal, o que acarreta dificuldades para os funcionários da prefeitura que são de outros municípios. Da mesma forma, uma liderança comunitária, integrante do Movimento da Pesca, assinalou o avanço da especulação fundiária no entorno da baía por motivos de projetos de resorts ou ainda de passagem de infra-estrutura para o pólo. Assim, a comunidade de Salaminas ganhou através de um projeto elaborado pelo referido Movimento junto à Bahia Pesca equipamentos para produção, estocagem e beneficiamento da pescaria assim como para consolidação da organização social (ex: freezers, geladeira, televisor, leitor de DVD, etc.). Contudo, ela não pode usar essas ferramentas por falta de energia elétrica. O projeto de extensão da rede está impedido por estudo do IBAMA que alega a impossibilidade de cortar dois pés de árvores de manguezal para a instalação de postes. O argumento soa falacioso se comparado com as áreas de manguezal que vão ser desmatadas para a extensão do canteiro de São Roque. A liderança comunitária citada acima afirmou que as grandes empresas interessadas no pólo estão atravancando o processo e comprando terras de fazendeiros para futuros empreendimentos.
Outros efeitos sociais são também previsíveis como o aumento das migrações, o que deve aguçar a questão da moradia – incluindo a habitação como o saneamento básico -, a deficiência em serviços básicos (educação e saúde), o tráfico de drogas já presente no município, a delinquência e a prostituição.
Se percebe desde já que as carências de moradia, especialmente de saneamento, deverãocontribuir para o aumento de despejo de esgoto in natura no manguezal. Ora este é, utilizando
as palavras dos próprios extrativistas, o “supermercado vivo” dos mesmos. Em estudo anterior
sobre os impactos de atividades humanas na região da baía (MONTEIRO, PROST, 2009),
relatou-se a degradação do meio ambiente, notadamente por desmatamento de vertentes
provocado pela atividade pecuária e pela extensão urbana da sede de Maragojipe. Com a chegada de novos habitantes, estima-se uma consequente urbanização espontânea uma vez que a Petrobras construiu em São Roque uma vila residencial para abrigar 200 funcionários e uma vila de alojamentos para hospedar 1.000 trabalhadores das empresas contratadas para a ampliação do canteiro6. Com isso, é de se esperar uma ampliação e agravamento da mudança de processos morfogenéticos a processos pedogenéticos, expressados por erosão das vertentes e assoreamento da baía e cursos d’água. Na área prevista do pólo, áreas de manguezal vão ser retiradas, infringindo a lei ambiental em um total descompasso com o argumento alegado para
justificar a extensão de uma linha elétrica como citado acima. Também serão desmatadas áreas cobertas por Mata Atlântica e restinga. A lei ambiental aparece como tendo dois pesos e duas medidas em função do agente social envolvido. Ambientalmente, embora os investidores declaram que a atividade não polui, a existência do canteiro em São Roque já evidencia a concentração de ferro na água. Em 2007, uma concentração de nutrientes associada à presença de ferro provocou o fenômeno de maré vermelha, que encadeou uma alta mortandade de peixes. Segundo o prof. Everaldo Queiroz, biólogo da UFBA e estudioso da Baía de Todos os Santos, novos fenômenos como esse podem ocorrer, inclusive com espécies letais a humanos.
O relatório organizado por ele sobre o projeto do pólo7 conclui que, entre os impactos ambientais esperados, contam ainda os efeitos que as construções projetadas que vão atingir as áreas de rochas sedimentares que armazenam águas subterrâneas. Entre outros efeitos, o projeto vai provocar “sérios impactos em águas jurisdicionais tombadas por decreto presidencial na condição de santuário para os mamíferos aquáticos”8. Vê-se dessa forma a multiplicidade de impactos ambientais negativos desse projeto “sustentável”.
Assim sendo, afeta-se diretamente as condições de trabalho das populações pesqueiras em área de manguezal, berçário e viveiro de inúmeras espécies aquáticas e terrestres, além de prejudicar as condições socioeconômicas de vida das localidades do entorno da baía. São assim ameaçadas as práticas dessas populações, práticas que integram uma cultura própria, desprezada pela sociedade moderna em busca de crescimento econômico.
Ressalta-se ainda um ponto avançado como incluído no projeto que é a participação das populações. Nada mais inverídico do que essa afirmação. Como foi informado anteriormente, a resex constituem áreas protegidas voltadas para a conservação, ou seja, a proteção do meio ambiente mas também das populações que vivem nele e dele graças a saberes ambientais adquiridos empiricamente. Esse tipo de UC comporta, por lei, um conselho deliberativo, o que significa que qualquer intervenção dentro do seu perímetro deve passar por aprovação prévia.
O que se observa até hoje é que nada foi discutido em assembléia da resex, em um total desrespeito da lei federal9. Se não tem participação até hoje, período em que as obras do pólo estão começando, que dirá no futuro?
Esta situação em curso nos remete a deduzir na desterritorialização das populações locais, em particular as extrativistas, uma vez que elas perdem controle sobre o seu espaço tradicional de apropriação material e simbólica, sobre seu território delimitado a partir de 2000 em reserva extrativista. A lógica do capital, exógena, se impõe ao lugar sem levar em consideração a soma dos efeitos negativos para as populações pesqueiras e de pescadores-lavradores. Pior: esses efeitos são negados; ao contrário: na luta dos discursos que antecede a concretização do empreendimento, são alegados benefícios para o município de Maragojipe e outros vizinhos.

Utiliza-se o discurso do desenvolvimento sustentável para retirar das populações o poder sobre seu território. Estas chegam portanto a ser ameaçadas de desterritorialização apesar – ou por causa – de sua imobilidade geográfica. Frente a elas, figuram atores econômicos que funcionam em rede e usufruam de uma mobilidade muito maior. O sinal disso é a reflexão sobre uma transferência do projeto – ou parte dele – para o Estado do Rio de Janeiro por parte do consórcio Setal/OAS caso o projeto encontre dificuldades na aprovação do licenciamento ambiental10. O que as empresas requerem é a acessibilidade ao local do projeto, o que é garantido pelo Estado, no afã de atrair investimentos privados. Ao inverso, os pescadores não gozam da mesma capacidade de se locomoverem para exercer suas práticas. Isso é particularmente o caso na baía do Iguape onde a grande maioria das embarcações é constituída de canoas a remo, limitando o raio de alcance das pescarias. A situação futura na baía do Iguape no caso do projeto de pólo naval vingar retrata portanto – e infelizmente – a desterritorialização in situ analisada por Haesbaert (2004) uma vez que as populações locais, não estando conectadas com os grandes fluxos globais, arriscam perder o controle sobre “suas bases territoriais de reprodução e referência” (HAESBAERT, 2004, p. 255) e que o capitalismo globalizado é acompanhado de um processo crescente de exclusão socioespacial.
Contudo, as populações pesqueiras procuram resistir a essa lógica externa ao lugar, com a ajuda de redes de horizontalidades. O Movimento da Pesca, citado anteriormente, é por exemplo assessorado pelo Conselho Pastoral dos Pescadores. Cita-se também a formação de uma comissão pró-Iguape formada de várias ONGs ambientalistas e professores de pesquisa da UFBA11. Os pescadores tiveram igualmente o apoio do Ministério Público Federal e o do Ministério Público do Estado que deliberaram em dezembro de 2008, em audiência pública realizada em Maragojipe, que a ausência de estudos qualificados levarão a medidas judiciais contra a implantação do pólo em São Roque do Paraguaçu.
Trata-se contudo de uma relação de forças difícil para os pescadores uma vez que os interesses do setor privado convergem e recebem o apoio das autoridades políticas em nome do “desenvolvimento”.

Considerações finais
O pretendido desenvolvimento sustentável é, mais uma vez, utilizado como argumento para
omitir numerosos impactos sociais, econômicos, culturais e ambientais negativos para as
populações tradicionais que o empreendimento do pólo naval deve acarretar. Essas populações devem assim sofrer uma desterritorialização sensível pela perda de poder efetivo sobre seu território, no entanto reconhecido por lei federal através da criação da resex, no ano de 2000.
O principal problema dos pescadores é de habitar uma área considerada estratégica por sua localização geográfica e condições naturais, assim como por já abarcar um canteiro naval, facilitando assim o aumento de seu valor para os setores modernos através de mais investimentos de infra-estrutura. Mas o lugar não é apenas o local onde o Mundo, com sualógica global se manifesta; ele é também o espaço banal onde se formam as resistências a essa mesma lógica. Essa resistência se revela extremamente importante. De fato, ela não se refere apenas à defesa dos grupos tradicionais em escala local. Ela é essencial para um combate em escala nacional caso o projeto do pólo naval vingue da mesma forma que a luta dos indígenas da Terra Raposa Serra do Sol foi para a política indigenista brasileira. Com efeito, se o pólo for implantado, significará que as unidades de conservação não têm mais garantido o direito à proteção ambiental (no caso das UCs de uso sustentável, frisa-se a proteção socioambiental) na totalidade de seus respectivos territórios. Ora essa garantia constitui um amparo legal essencial – embora não suficiente – para a sustentabilidade da territorialização das populações nelas inseridas. Aprovar o projeto do pólo implicaria abrir uma brecha perigosa para o questionamento dos territórios das áreas protegidas.

Resistir aparece, portanto, como imprescindível para garantir os direitos adquiridos e conquistados por populações historicamente excluídas, para garantir a justiça ambiental das populações tradicionais que tanto contribuem a uma real sustentabilidade social, cultural e ambiental.

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