Pescadores acusam Petrobras de prejudicar a pesca em duas ilhas
Carlos Vianna Junior |
Foto: Francisco Galvão
Apesar de a Petrobras ter divulgado notas à imprensa afirmando que ações já estão em andamento, os pescadores desmentem e denunciam o descaso com que o caso vem sendo tratado. Desde a implantação do Terminal de Regasificação da Bahia, integrante do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), iniciada no final de 2012, os pescadores registram uma queda de mais de 70% na produção da principal atividade econômica das ilhas.
Em notas, a Petrobras afirma que está mantendo reuniões quinzenais com as comunidades, o que não é negado pelos pescadores. “Até agora foram cinco reuniões, mas em nenhuma delas nossos problemas foram resolvidos”, revela Antônio Jorge Teixeira, presidente da Colônia de Pesca Z3, com 580 associados nas duas ilhas. As medidas de diminuição de impacto, no entanto, são negadas pelos pescadores.
Foi afirmado pela Petrobras que os transtornos causados pelas lanchas velozes, envolvidas na obra, que trafegam na região onde canoas de pescadores e até pequenos barcos de transportes circulam com frequência, já teria sido resolvido. “Eles continuam passando em alta velocidade, fazendo ondas que tornam a pesca e até o transporte de passageiros em algo perigoso, além de dificultar o trabalho das marisqueiras”, conta.
Uma das marisqueiras, Maristela Andrade de Alcântara, narra que uma das lanchas velozes chegou a virar a canoa na qual estava com o marido e o irmão. “Era noite e íamos mariscar, com o acidente perdi um celular, a lanterna e outros apetrechos de mariscar”, conta. Ela acrescenta que as ondas invadem as áreas de mariscadas que são visitadas na maré seca.
A empresa informou também que estão em andamento alguns programas sociais. Os pescadores rebatem dizendo que é apenas um e ele não resolve o problema imediato, que é o impacto na pesca. “O Mova Brasil é um projeto de alfabetização de jovens e adultos. Reconhecemos a importância dele, mas o seu resultado é de longo prazo, o que pode ser o motivo para a dificuldade de adesão ao projeto por parte das comunidades”, explica Teixeira.
A Petrobras cita projetos de capacitação profissional em andamento, o que é, segundo os pescadores, uma meia verdade. “Estão em andamentos sim, mas não são projetos que compensam o impacto da construção do terminal de regaseificação. Foram conquistas nossas referentes ao Projeto Manati, instalado em 2005”, ressalta.
O Projeto Manati instalou uma tubulação de gás desde Madre de Deus (15 minutos de barco até a Ilha de Bom Jesus dos Passos) até a Baia de Camamu, reconhecida pelos pescadores como um exemplo de responsabilidade social. “Todas essas obras causam impacto na pesca, não só no período de instalação, como também depois, criando obstáculos para as redes, por exemplo, mas ao menos o Manati demonstrou preocupação”, disse Jonatas Spinola, um dos diretores da Colônia Z3.
Segundo ele, que é graduando em engenharia ambiental, o Manati, mesmo não cumprindo todas as suas promessas, fez um bom trabalho no que se refere ao reconhecimento do impacto ambiental do projeto. “Fizeram um diagnóstico aprofundado, visitando a comunidade e perceberam a importância da pesca para as ilhas”.
Spinola ressalta que uma delas, a Ilha de Bom Jesus dos Passos, tem uma das maiores densidades demográfica na Baía de Todos os Santos e que é reconhecida como uma das comunidades mais produtivas em algumas artes de pesca, como a pesca com linha e emalhe (um tipo de rede). A ilha tem uma população de cerca de quatro mil pessoas, onde boa parte dos homens são pescadores e as mulheres marisqueiras.
Diagnóstico sobre atividade
Para Spinola, o Manati serve também para provar que o projeto do terminal de regaseificação não vem respeitando as comunidades locais. “Para começar, eles (a Petrobras) só começaram a estabelecer contato conosco, depois de uma manifestação que fizemos em 14 de janeiro, quando levamos cerca de 100 barcos para a área onde está sendo instalado o terminal”, informou.
Outro aspecto que chama a atenção é o diagnóstico da pesca, parte do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) feito pelo projeto do terminal. “Os dados usados para o diagnóstico sobre a atividade pesqueira são antigos, de órgãos oficiais, mas que pelo tempo não refletem a realidade da região”, conta
Ele acrescenta que nem mesmo acesso ao RIMA a comunidade teve, ainda. “Sabemos do diagnóstico através do Estudo, de Impacto Ambiental (EIA), que é um resumo de linguagem menos técnica. Não encontramos o RIMA, que deveria estar na prefeitura de Salvador, e já entramos em contato com o INEMA para conseguirmos ter acesso a ele”, disse.
Spinola ressalta que o que chama mais atenção no diagnóstico é a ausência dos dados coletados pelo Projeto Manati. “O Manati tem feito um monitoramento dos impactos ambientais que perduram até hoje, ou seja, eles têm conhecimento da nossa realidade e, no entanto, suas informações não constam no diagnóstico do projeto do terminal”, ressalta. A reportagem tentou ouvir a Petrobras, mas a assessoria de impressa é no Rio de Janeiro e o contato não foi possível no dia dessa quarta-feira (1/5).
Reivindicações
Para diminuir o impacto da construção do terminal, os pescadores, primeiramente, reivindicaram a regulamentação das suas embarcações junto à Capitania dos Portos e combustível para que pudessem pescar em outras localidades. Além disso, pediram dois salários mínimos para os tripulantes das embarcações (cerca de 120), durante o período de construção do píer do terminal, em torno do qual foi imposta uma restrição da área de pesca de 500 metros de raio, além das áreas onde estão instalados os gasodutos submarinos.
Em resposta a Petrobras informou que este tipo de compensação não é viável e pediu aos pescadores que as transformassem em projetos sociais. Foi então apresentado um projeto que contempla a construção de um posto médico em Paramana, uma das comunidades da Ilha dos Frades, a construção da Casa das Marisqueiras, e projetos de pavimentação nas áreas urbanas das ilhas. Além disso, os pescadores exigem uma compensação financeira pelo período de construção do terminal, além de outros impactos na produção de sua atividade produtiva.
“Fomos chamados para uma reunião, a última realizada, e pensávamos que teríamos respostas para as nossas reivindicações, mas nada foi dito sobre o assunto”, relatou Antônio Jorge Teixeira.
Progresso e obstáculos
A convivência dos pescadores da região com a Petrobras tem mais de cinquenta anos, durante os quais a promessa de progresso que faz parte do discurso da empresa para as comunidades impactadas não parecem ter sido concretizadas nas ilhas de Bom Jesus dos Passos e dos Frades. Os empreendimentos da petrolífera, no entanto, são facilmente percebidos pelos pescadores, que encontram neles obstáculos para sua atividade.
No final da década de 1990, com a desativação do campo Dom João Mar, plataformas foram afundadas. Os poços e plataformas, após 20 anos de atividades, se tornaram obstáculos para as redes, anzóis e embarcações usadas na pesca artesanal da região. “Eles contrataram uma empresa para limpar a sujeira, mas nunca concluíram”, conta o pescador Jucelino Correia Costa.
Costa conta ainda que cerca de 20 anos atrás, outro projeto afetou a pesca na região: o Oleoduto Recôncavo Sul (ORSUB), que submergiu dutos desde Madre de Deus até Itabuna. Em 2005, o Projeto Mariti encontrou as comunidades pesqueiras mais organizadas para defender seus direitos. “Todas essas obras modificam o meio ambiente. Eles podem dizer que não, mas eu pescava 300 a 400 quilos e hoje saio para voltar com 20 quilos de peixe. Essa é a realidade”, destaca Costa.
Parte do município de Salvador, e distante da capital baiana, as ilhas de Bom Jesus dos Passos e dos Frades, parecem esquecidas pelo poder público. As ruas não são pavimentadas, parte do esgoto corre a céu aberto, a escola de Bom Jesus dos Passos vai somente até a quarta série, obrigando os jovens a irem para Madre de Deus; a falta de opções de lazer faz aumentar o consumo de álcool, drogas, e, segundo os pescadores, até de prostituição infantil. “Não somos contra o progresso, só queremos fazer parte e não sermos apenas usados por ele”, reivindica Antônio Jorge Teixeira dos Santos, presidente da Colônia de Pescadores Z3.
Terminal
A instalação do Terminal de Reigasificação de Gás Natural Liquefeito da Bahia consiste na construção de um píer, há quatro quilômetros da Ilha dos Frades, de onde sairão dutos que levarão o gás até Madre de Deus.
No píer ficará atracado um navio com capacidade de transformar gás líquido em gás natural. O terminal vai regaseificar 14 milhões de m³ de gás natural por dia, aumentando a produção nacional para 35 milhões, quantidade maior do que os 30 milhões de m³ que são importados hoje da Bolívia.