No Zootopia, os animais caminham na natureza enquanto são
observados por humanos camuflados pela arquitetura do local. Nesse
zoológico, as 75 espécies expostas têm o apoio de programas de pesquisa e
conservação que contribuem para a biodiversidade em todo o planeta. No
início do mês, o projeto desse lugar que integra homens e animais foi
divulgado pelo Givskud, um zoológico do sul da Dinamarca que terá sua
arquitetura completamente reformulada para se transformar no Zootopia
— combinação entre as palavras zoológico e utopia. Até 2019, sua
primeira fase deve ser inaugurada.
Enquanto isso, no Brasil, um
tigre atacou um garoto de 11 anos
no Zoológico de Cascavel, no Paraná. O menino perdeu o braço e as
imagens do animal enjaulado chocaram o país. O abismo entre o projeto da
Dinamarca e o episódio brasileiro mostra a distância que os zoológicos
do país têm que percorrer para se converterem de meros expositores de
animais em centros de pesquisa, conservação, educação e lazer.
"O poder público está negligenciando a responsabilidade pelos
zoológicos", diz Yara Barros, presidente da Sociedade de Zoológicos e
Aquários do Brasil (SZB). "Quase 60% dos zoológicos são municipais, o
que significa que grande parte não cobra entrada. Ou seja, os zoológicos
não têm financiamento e, sem dinheiro, não há melhorias e
investimentos. Quem controla e fiscaliza essas organizações é o governo,
que não tem sequer um diagnóstico de sua situação."
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O zoológico atual — Há pelo menos três décadas, a
ideia de que os zoológicos são apenas espaços para observar animais
dentro de jaulas foi superada. Historicamente, sua origem está ligada a
monarcas e nobres que colecionavam animais selvagens e exóticos apenas
por prazer — e para demonstrar o poder sobre a natureza. Os primeiros
fósseis de um lugar assim foram encontrados no Egito e têm cerca de
5.000 anos. O zoológico com animais separados, enjaulados e
classificados foi criado no fim do século XVIII: o mais antigo deles é o
de Viena, aberto em 1752 e até hoje em funcionamento. Nas últimas três
décadas, no entanto, com o desenvolvimento da consciência ambiental e do
bem-estar dos animais, esses lugares reduziram o número de espécies
expostas, melhoraram os cativeiros e se tornaram locais privilegiados de
pesquisa, preservação e de educação ambiental.
"Zoológicos são um tipo de museu. Seu patrimônio são os animais
vivos, que devem ser conservados, pesquisados e expostos", diz a bióloga
Alessandra Bizerra, professora do Instituto de Biociências da
Universidade de São Paulo (USP).
Por isso, atualmente, nos bastidores dos melhores zoológicos há muito
trabalho e pesquisa para manter as espécies — dentro e fora dos
cativeiros. São laboratórios especializados em estudos genéticos, que
catalogam e sequenciam o DNA dos animais; em nutrição, para fornecer as
refeições aos bichos; em microbiologia, para conhecer as doenças que
atacam a fauna; além de pesquisas sobre reprodução e comportamento
animal em parceria com universidades e institutos.
Essas informações vão também para fora dos zoológicos e atingem os
animais em matas e florestas nativas. Por meio dos programas de
conservação, conhecimento, recursos e profissionais chegam aos ambientes
originais das espécies, em um trabalho conjunto com os biólogos e
cientistas em campo.
Por ano, os membros da Associação Mundial de Zoológicos e Aquários
(Waza, na sigla em inglês) destinam 350 milhões de dólares a projetos de
conservação em todo o mundo. E boa parte dos recursos vem dos
visitantes — anualmente, cerca de 700 milhões de pessoas vão aos 1.300
zoológicos de todo o mundo, de acordo com a Waza.
"As jaulas estão ultrapassadas. Nos melhores zoológicos, a separação
entre homens e animais é feita de maneira a mostrar ao visitante que
somos integrantes da natureza. A proximidade com os animais causa um
fascínio, atinge a emoção e é isso que faz com que as pessoas se sintam
responsáveis pela conservação e preservação do ambiente e de seus
animais", diz Alessandra.
Centro de preservação — Junto com a pesquisa e a
preservação, os espaços que reúnem animais e vegetação de diversas
partes do planeta se tornaram os melhores lugares para aprender sobre o
ambiente. "O papel educativo dos zoológicos é uma das maiores funções
atuais dessa instituição. Com seus milhões de visitantes, eles têm o
potencial de ser a maior rede de conservação do mundo, educando o
público e salvando espécies da extinção", afirma Gerald Dick, diretor
executivo da Waza. "Só amamos e preservamos o que conhecemos e, por
isso, o contato com o animal vivo é importante. Ele deixa clara a
relação entre os homens e a natureza e mostra porque, para o nosso
próprio bem, é importante mantê-la."
A ideia comum das associações e fundações de zoológicos é que eles
são uma "embaixada" da natureza nas cidades, chamando a atenção de
jovens e adultos para a preservação da biodiversidade. Além disso, é um
bom local para ter contato com espécies extintas e saber qual o impacto
disso em nossas vidas. Há 31 espécies extintas na natureza que são
encontradas apenas nos zoológicos — algumas delas, como o condor, o
bisão europeu ou o lobo-vermelho, foram salvas da extinção por meio da
ação dos zoológicos. Elas se reproduziram em cativeiros e voltaram para a
natureza.
"A reintrodução dos animais é um dos papeis mais justificáveis dos
zoológicos", diz Marco Ciampi, presidente da Arca Brasil, associação de
proteção e bem-estar animal com sede em São Paulo. "No entanto, é o
homem que está agindo para extinguir esses animais. É preciso também
mostrar o efeito danoso das nossas ações para essas espécies e mostrar
por que, afinal, esses bichos estão em cativeiro, com sua integridade e
bem-estar ameaçados."
Zoológicos brasileiros — No país, são raros os
zoológicos que chegaram até esse ponto ideal de serem centros de
pesquisa, conservação, lazer e educação para proteger a natureza. A
norma que regula o funcionamento dos zoológicos nacionais é de 2008 e,
há três anos, o controle que era centralizado no Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) foi
transferido para os governos estaduais. São eles que, atualmente,
gerenciam e fiscalizam as atividades.
O levantamento mais recente do total de zoológicos e aquários
existentes no país, feito pela SZB em 2013, mostra que temos 110
zoológicos e 13 aquários. Desses, 31 são particulares, 69 municipais,
quatro estaduais e os outros se dividem entre fundação, exército (que
administra dois zoológicos na Amazônia) ou administração mista. Cerca de
40 milhões de pessoas visitam esses lugares, todos os anos. No entanto,
não se sabe qual a situação de cada uma dessas instituições — quais
seus recursos e necessidades.
"Por limitações financeiras, são poucos zoológicos brasileiros que
trabalham com o bem-estar animal, educação ambiental e programas de
conservação", diz Yara Barros, presidente da SZB. "Zoológicos ruins, que
apenas expõem os animais em más condições depõem contra a existência
dessa instituição e deveriam ser fechados."
Internacionalmente, associações estabelecem programas de
certificação, com critérios e padrões que devem ser seguidas por
instituições que querem se tornar membros. No Brasil, a SZB tem o plano
de ter um programa assim em dois anos — a Associação Latino Americana de
Zoológicos (Alpza) também não possui um programa de certificação. A
Waza possui apenas dois zoológicos brasileiros em seus quadros: a
Fundação Zoológico de São Paulo e o Parque das Aves, em Foz do Iguaçu,
no Paraná.
"Essas duas instituições são muito engajadas em conservação e no
trabalho internacional de preservação. A SBZ está sendo fortalecida e
sabemos que faltam padrões a serem seguidos pelos zoológicos
brasileiros", diz Gerald Dick, diretor da Waza. "Zoológicos e a
administração pública terão que trabalhar em conjunto para melhorar
isso."
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Poucos programas de preservação — A Fundação
Zoológico de São Paulo é um dos maiores zoológicos do mundo e tem pelo
menos três importantes projetos de conservação da fauna — para comparar,
o Zoológico de San Diego, nos Estados Unidos, um dos mais conhecidos
pela conservação de espécies, mantém em torno de 100 projetos de
preservação em 35 países.
Dois dos programas paulistas são feitos dentro do zoológico: de
reprodução de anfíbios de Alcatrazes, ilha do litoral sul de São Paulo, e
de preservação do mico-leão-preto. O terceiro consiste no envio de
profissionais e equipamentos para apoiar o programa de conservação dos
mamíferos do cerrado brasileiro. Até o fim do ano, um centro de
conservação deverá ser inaugurado pela Fundação — o primeiro do Brasil.
"É preciso um volume enorme de investimentos para construir meios
apropriados para o bem-estar animal. Estamos trabalhando para isso, mas é
preciso que o público e a sociedade entendam o novo papel dos
zoológicos e se envolvam com essa instituição", diz o veterinário João
Batista Cruz, presidente da Associação Latino Americana de Zoológicos
(Alpza) e professor do programa de pós-graduação em conservação da fauna
da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em parceria com o
zoológico de São Paulo.
Há quase vinte anos, um dos mais importantes projetos de conservação
brasileiros, que preserva a anta, é mantido por recursos de fundos
internacionais vindos de zoológicos. Com isso, Patrícia Médici, sua
coordenadora e uma das fundadoras do Ipê — Instituto de Pesquisas
Ecológicas, conseguiu estudar os animais e traçar estratégias para
preservá-los. "Até 90% do financiamento que recebo vêm de zoológicos dos
Estados Unidos, Europa e Austrália", diz Patrícia. "Essas instituições
se envolveram com a conservação e têm o poder de tocar milhões de
pessoas."
No ano passado, em parceria com a SZB, Patrícia desenvolveu uma
campanha nacional sobre as antas, que atingiu entre 600.000 a 1 milhão
de pessoas. O objetivo era mostrar a importância de preservar o maior
mamífero terrestre do Brasil. "Hoje não há mais animais que são
retirados da natureza e vão para os zoológicos — isso é proibido por
leis internacionais. Eles já nascem em cativeiro e não sobreviveriam na
natureza. As antas que estão nos zoológicos são fundamentais para que as
pessoas conheçam esse bicho e saibam o que fazemos em campo."
Zoo do futuro — Um dos zoológicos que há doze anos
contribui para o projeto de Patrícia é o Givskud. O zoológico
dinamarquês contribui para a conservação de cerca de 30 espécies em
diferentes continentes.
Aberto em 1969, a instituição foi concebida como uma mistura de
zoológico tradicional com parque safari, e abrigava 250 espécies. Ao
longo do tempo, com as modificações feitas para ampliar o bem-estar dos
animais, o número de bichos expostos foi diminuindo, enquanto os
recursos destinados a projetos de conservação no ambiente aumentaram.
Atualmente, o zoológico tem 75 espécies e lançou o projeto de remodelar
sua arquitetura, para transformá-lo no Zootopia. A obra custará 200
milhões de dólares e tem o propósito de melhorar a experiência de
homens, animais e aumentar o número de visitas, que anualmente são
300.000.
"Zoológicos são espaços educativos. Trata-se de um pequeno universo
em que os animais convidam as pessoas para conhecê-los e as inspiram a
cuidar da natureza", diz Richard Osterballe, diretor do Givskud. "Não é o
mesmo que ver os animais na televisão ou em cartazes, precisamos que
eles estejam vivos para passar essa mensagem. E, assim, conseguimos os
recursos necessários para apoiar projetos de conservação que são mais
bem desenvolvidos na natureza."
Enquanto ainda há espécies ameaçadas e ambientes degradados pelo
homem, os zoológicos têm se tornado cada vez mais importantes para o
estudo e preservação do que ainda resta. Para isso, entretanto, é
preciso que eles deixem de ser uma lista de animais enjaulados para
divertir a população e entrem na era das pesquisas científicas e de
conservação. É esse passo que vai definir não só as melhores
ações dentro dos zoológicos, como melhorar a existência dos bichos — e
garantir nossa sobrevivência.
"Se existir um futuro perfeito, com um ambiente equilibrado em que os
homens respeitem e cuidem da natureza, os zoológicos acabam. Mas, no
ponto em que estamos, seu trabalho ainda é muito importante. É o
dinheiro dos ingressos que mantém algumas espécies vivas e, para isso, o
Brasil ainda terá um longo caminho a percorrer se quiser atingir o
estágio dos grandes zoológicos internacionais", diz João Batista
Cruz, da Associação Latino Americana de Zoológicos (Alpza).