Encontro debate impactos dos eventos climáticos extremos
Riscos de desastres provocados por ondas de calor e fortes precipitações de chuva dependerão do nível de vulnerabilidade das populações, conclui relatório do IPCC
São Paulo - Nos próximos anos, em função das mudanças climáticas
globais, eventos climáticos extremos, como ondas de calor, recordes de
temperaturas altas e fortes precipitação de chuvas, que ocorriam em intervalos de 20 anos, devem ocorrer com maior frequência, intensidade e duração do que há cinco décadas.
Porém, o que irá determinar o risco de desastres, que acarretam a perda
de vidas humanas e prejuízos econômicos, como os causados por
deslizamentos de terra desencadeados pelas fortes chuvas que assolaram o
Rio de Janeiro no início de 2011, será o nível de vulnerabilidade e de
exposição das populações a esses eventos climáticos extremos.
As conclusões são do Relatório Especial sobre Gestão dos Riscos de
Eventos Climáticos e Desastres (SREX, na sigla em inglês), elaborado e
recentemente publicado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC).
Os resultados das avaliações feitas pelo IPCC no documento foram
discutidos no dia 16 de agosto durante o workshop “Gestão dos riscos dos
extremos climáticos e desastres na América Central e na América do Sul –
O que podemos aprender com o Relatório Especial do IPCC sobre
extremos?”.
Realizado pela Fapesp e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), em parceria com o IPCC, o Overseas Development Institute (ODI) e
a Climate and Development Knowledge Development (CKDN), ambos do Reino
Unido, e apoio da Agência de Clima e Poluição e do Ministério de
Relações Exteriores da Noruega, o objetivo do evento foi debater as
conclusões do SREX e as opções para o gerenciamento dos impactos dos
extremos climáticos, especialmente nas Américas do Sul e Central.
Um dos principais apontamentos do relatório, elaborado pelo IPCC à
pedido do governo da Noruega e da Estratégia Internacional para a
Redução de Desastres (EIRD) da Organização das Nações Unidas (ONU), é
que os impactos dos eventos climáticos extremos dependem não só da
natureza, mas do nível de vulnerabilidade e da exposição das pessoas ou
grupos humanos em lugares onde possam ser afetados.
“Os desastres não são ‘naturais’, mas são conjunções de eventos
climáticos ou meteorológicos naturais com a vulnerabilidade e a
exposição a eles por uma sociedade ou grupo humano”, disse Vicente
Barros, pesquisador do Centro de Investigacíon del Mar y la Atmósfera
(Cima) da Universidad de Buenos Aires, na Argentina, e co-presidente do
Grupo de Trabalho II do SREX.
“Se o problema dos riscos climáticos é um conjunção destes três
fatores, evidentemente, é preciso desenvolver estratégias para
mitigá-los”, avaliou Barros. Umas das principais ações destacadas no
relatório para diminuir os riscos de eventos climáticos é reduzir as
emissões dos gases de efeito estufa, que são a principal causa das
mudanças climáticas.
Já para reduzir o nível de exposição das populações aos eventos
climáticos extremos, os cientistas afirmam que é preciso aprimorar os
sistemas de alertas e, em alguns casos, realocar as pessoas.
Por sua vez, para atenuar a vulnerabilidade humana aos riscos de
desastres causados pelas mudanças do clima, o documento indica que é
preciso implementar políticas de diminuição de pobreza e melhorar o
nível educacional das populações para aumentar o grau de conscientização
das pessoas sobre os riscos dos eventos climáticos extremos.
De acordo com dados do relatório, 95% dos desastres causados por
eventos climáticos extremos no período de 1970 a 2008 ocorreram em
países em desenvolvimento e apenas 5% em países desenvolvidos.
“Uma mensagem muito importante do relatório é que a maneira mais
efetiva para aumentar a resistência das populações aos eventos
climáticos extremos é melhorar as condições de desenvolvimento
socioeconômico”, afirmou Sebástian Vicuña, professor da Pontificia
Universidad Católica de Chile.
Necessidade de mais estudos sobre o Brasil
Composto por nove capítulos e quatro anexos, o SREX foi preparado ao
longo de dois anos por 220 autores de 62 países, reunidos em dois grupos
de trabalho do próprio IPCC: o Grupo I, que avalia a base física das
mudanças climáticas, e o Grupo II, que trata dos impactos das alterações
climáticas, adaptações e vulnerabilidades.
Os autores do documento responderam a mais de 20 mil comentários de
representantes de governos, especialistas e agências internacionais, com
aprovação do Sumário para Formuladores de Políticas, após reunirem-se
por quatro dias em Kampala, na Uganda, em novembro.
Uma das deficiências identificadas pelos cientistas na elaboração do
relatório foi a necessidade de realização de mais pesquisas sobre
extremos climáticos relacionados às regiões do Brasil.
“Detectamos uma ausência de estudos, publicados em revistas indexadas,
sobre extremos climáticos nas regiões do Brasil”, disse José Marengo,
pesquisador do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Inpe e membro
do comitê organizador do evento.
“Só agora a Amazônia começou a aparecer nos estudos sobre os extremos
climáticos, e ainda há poucos artigos científicos sobre outras regiões
do país com o nordeste”, disse Marengo.
De acordo com o pesquisador, as análises sobre o Nordeste no relatório
foram baseadas em artigos publicados em revistas científicas brasileiras
da área, como a Revista Brasileira de Meteorologia e a Revista
Brasileira de Agrometeorologia, que estão indexadas no SciELO
(Bireme/Fapesp), o que representou uma conquista dos cientistas
brasileiros no IPCC.
“Conseguimos, pela primeira vez, fazer referências de artigos
publicados em revistas científicas brasileiras, que são indexadas e têm
um comitê de revisores, em um relatório do IPCC”, disse Marengo.
“Isso representou a quebra de um tabu do IPCC, que só fazia referência a
artigos científicos publicadas em revistas em inglês. Mas é preciso
desenvolver mais estudos sobre eventos climáticos extremos em regiões
brasileiras”, disse.
Outra área carente de pesquisas que os autores do relatório
identificaram foi sobre estudos sobre os aspectos socioeconômicos dos
impactos das mudanças climáticas. “Há muitos dados sobre a base física
das mudanças climáticas, mas estão faltando mais estudos socioeconômicos
em nível global”, apontou Barros.
De acordo com o pesquisador, a maioria dos estudos sobre os impactos
socioeconômicos dos eventos extremos causados pelas mudanças climáticas
globais são publicados por instituições internacionais, como Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial.
Entretanto, apesar dessas informações serem consideradas importantes e
valiosas, elas não passam pelo crivo científico. Por isso, não são
utilizadas nos relatórios do IPCC.
Segundo Marengo, um dos pontos mais importantes do SREX, que é o mais
novo relatório do IPCC, é que ele fornece informações mais atualizadas e
analisa a questão dos extremos climáticos com maior nível de detalhe.
Entretanto, ainda apresenta limitações em termos de cobertura de dados e
sobre os modelos utilizados para prever as mudanças climáticas globais,
que devem ser mais clarificados no quinto relatório do IPCC, que está
previsto para ser publicado em 2013.
“Muitas das informações publicadas no SREX serão atualizadas no quinto
relatório do IPCC, por meio do qual esperamos ter uma melhor compreensão
dos eventos climáticos extremos”, disse Marengo.
Contribuição de programa da Fapesp
Na avaliação de Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de
Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação (MCTI) e membro da coordenação do Programa Fapesp de Pesquisa
sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), a publicação do quarto
relatório do IPCC, em 2007, fez com que a discussão sobre os impactos
das mudanças climáticas globais ganhasse uma grande popularidade no
mundo.
Mas, segundo Nobre, em 2005 a diretoria científica da Fapesp já
discutia sobre a necessidade de criar um programa de pesquisa voltado
para o tema. “A diretoria científica da Fapesp teve uma visão
estratégica e pioneira em criar o PFPMCG. A partir do programa, o
governo federal também formulou uma série de programas voltados à área –
em especial a Rede Brasileira sobre Mudanças Climáticas e Clima –, que
interage estritamente com o PFPMCG”, contou.
O diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, destacou
no workshop que quando se começou a discutir sobre a criação do PFPMCG
um dos objetivos definidos para o programa de pesquisa era estimular
pesquisas sobres mudanças climáticas por pesquisadores do Estado de São
Paulo e, por meio disso, fazer com que o Brasil viesse a ter uma posição
de maior destaque e protagonismo no debate mundial sobre mudanças
climáticas globais.
“Esse evento e outros do gênero realizados nos últimos anos mostram que
a expectativa do programa está se cumprindo, com base no fato de haver
uma articulação para o incentivo à pesquisa científica e tecnológica em
temas relacionados às mudanças climáticas globais”, disse Brito Cruz.
Celso Lafer, presidente da Fapesp, destacou o papel que o IPCC tem
exercido na formulação de políticas globais para mitigar os impactos das
mudanças climáticas globais.
“O IPCC é uma plataforma de conhecimento que foi decisiva para que se
assinasse na RIO92 a Convenção de Clima. Dou meu testemunho como
ministro das Relações Exteriores naquela ocasião e justamente porque
tenho acompanhado no campo diplomático essas negociações”, disse.
“É minha profunda convicção de que as negociações climáticas só poderão
ser apropriadamente encaminhadas se tiverem o lastro do conhecimento de
qualidade, como o fornecido pelo IPCC”, disse Lafer.
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