Áreas de ciências agrárias e biológicas estão entre as que mais aparecem com nota máxima na avaliação da Capes
Eles são minoria, mas existem. Entre os 2.718 programas de pós-graduação brasileiros, 4,1% receberam conceito máximo, 7, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e são considerados referência mundial em suas áreas. São seletos 112 grupos de 22 instituições (veja mapa abaixo) em que as pesquisas de mestrado e doutorado são aguardadas com expectativa pelos pares acadêmicos – e os estudantes, pelo mercado de trabalho.
Apesar de pequeno, o grupo que forma a nata da pesquisa brasileira é maior do que o dos 75 programas que poderão ser fechados por não atingirem o mínimo necessário. A excelência identificada na última avaliação também cresceu em relação ao triênio anterior, em que apenas 3,6% dos programas receberam 7.
Setores que possuem grande demanda por novos produtos no País, como ciências agrárias e médicas, estão entre os que mais aparecem. “A ciência brasileira teve origem na área da saúde e da biologia, com a criação do Jardim Botânico no Rio, em 1808. Cerca de 50 anos depois foi criada a primeira escola de agronomia da América do Sul, no recôncavo baiano. Temos tradição nessas áreas”, destaca Helena Nader, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
“Não por coincidência são setores em que o Brasil é extremamente competitivo”, afirma o coordenador de Agrárias da Capes, Moacir Pasqual. “A base do conhecimento em qualquer setor é a pós-graduação, que fornece tanto professores quanto resulta em descobertas científicas”, explica.
Alguns dos programas pioneiros em suas áreas de atuação fazem parte da lista de melhores do País. É o caso do de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), criado há 42 anos e que recebe a nota mais alta da Capes desde a primeira avaliação em 1976. Só no último triênio avaliado, o grupo publicou 375 artigos científicos e conseguiu 19 patentes.
Biodiversidade e problemas brasileiros baseiam teses
Muitos dos estudos se beneficiam da biodiversidade nacional, como por exemplo a toxina anti-hipertensiva que foi identificada no veneno do escorpião amarelo e reproduzida em laboratório pelos pesquisadores do programa. “O Brasil proíbe a patente de produtos naturais, mas uma vez sintetizada em laboratório, a molécula tem grande potencial”, afirma a coordenadora do programa Maria Elena de Lima Perez Garcia.
Outra área em que o Brasil tem excelência é a de pesquisas em doenças tropicais. Rafael Polidoro, de 25 anos, concluiu o mestrado em Bioquímica e Imunologia na UFMG neste ano com uma pesquisa sobre a criação de uma vacina contra a doença de Chagas usando o vírus Influenza e o Adenovírus. “A doença de Chagas não tem vacina e o tratamento é muito limitado, só funciona nas primeiras semanas. Pode ser um medicamento interessante para países em desenvolvimento e áreas rurais”, relata Polidoro, que agora cursa doutorado no mesmo programa e dá continuidade à pesquisa testando a vacina em camundongos. De acordo com o especialista, a doença tem alta incidência no Vale do Jequitinhonha, no sul da Bahia, e em países da América Latina, como o México.
Admitem-se doutores
A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), também obteve nota 7 em três programas, um deles Genética e Melhoramento de Plantas, existe desde 1964. Segundo o vice-coordenador, José Baldin Pinheiro, a fama internacional dos cursos de mestrado e doutorado dali corre o mundo e há demanda por profissionais que chegam de empresas de diferentes países. “É comum pedirem indicação de recém-formados”, conta.
Este ano, o programa chegou à 800ª tese. O estudo, sobre fatores de combinações de cana-de-açúcar realizado pela engenheira agrônoma Maria Marta Pastina, é o primeiro da unidade inteiramente publicado em inglês por conta da participação de instituições européias. “Isso facilita a pesquisa de outros acadêmicos que estão interessados nos resultados”, afirma a aluna.
Outros veteranos entre os melhores são os programas de Ciência de Alimentos e de Engenharia de Alimentos da Universidade de Campinas (Unicamp), em São Paulo. Para a coordenadora geral da pós-graduação da Faculdade de Engenharia de Alimentos, Helena Teixeira Godoy, o Brasil tem mais chances de ser referência nesta área do que em outras porque entrou na corrida menos atrasado. “Há cursos de humanas que tem 500 anos ou até mais nas principais instituições do mundo e, portanto, fica difícil termos o mesmo volume de pesquisas novas aqui. Mas a nossa área surgiu há cerca de 50 anos na Europa e já existe há mais de 30 na Unicamp”, analisa.
Teses que podem mudar o que consumimos
Um dos doutorados concluídos no triênio, para dar um exemplo, pode mudar o padrão do leite que chega aos supermercados. A maior parte do gado leiteiro recebe medicamentos preventivos ou mesmo para tratamento que acabam deixando resíduos no produto que chega aos consumidores. A longo prazo, isso pode gerar uma resistência a antibióticos nas pessoas e, quando elas precisarem de remédio, não obterão o resultado esperado. Por isso, a aluna Mariem Rodrigues criou um método de análise do leite, que pode ser usado para controlar a quantidade de resíduo dos produtos. “É algo que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) está analisando para adotar”, comenta Godoy, que orientou a tese.
Segundo ela, outros trabalhos avaliam as propriedades de alimentos, muitos deles produtos específicos de certas regiões do País. “Nós temos o que a maioria não tem: matéria prima. Isso deveria facilitar muito nossos ensaios, embora a gente ainda encontre muitos produtos pesquisados lá fora”, afirma.
Avaliação incentiva pesquisa no País
A expansão da pós-graduação e a avaliação da Capes foram fundamentais para o salto de qualidade da pesquisa brasileira. Para a vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, as metas da Capes fizeram as universidades avançarem. “Aumentamos o número de trabalhos e melhoramos a qualidade e a quantidade de citações dos trabalhos brasileiros. Na década de 1970 publicávamos 100 artigos ao ano, hoje estamos com 37 mil”, enfatiza Helena. “O próximo salto é converter essa ciência de impacto, reconhecida internacionalmente, em inovação e tecnologia.”
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