Daniele Bragança - 28/11/13
Durante a tramitação, o relatório de Gurgel sofreu modificações que transcendem a permissão de minerar em área protegida. Entre elas, o texto transfere o poder de criação de UCs de Proteção Integral para o Congresso Nacional. Dessa forma, altera a lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), que dá base a todo o sistema de áreas protegidas do país.
O acréscimo que mexe no SNUC foi inserido pelo relator Bernardo Santana de Vasconcellos. Para isso, ele copiou a PEC 215, que modifica o artigo 22 do SNUC, o qual determina o Poder Executivo como responsável por criar Unidades de Conservação.
Santana é ligado à indústria de mineração. Ele já foi diretor da empresa RIMA Industrial S.A, entre agosto de 1998 a dezembro de 2010, e teve 70% da sua campanha para Deputado Federal paga por empresas mineradoras.
Ele também é acusado de fazer parte de uma fraude que envolvia compra de carvão vegetal nativo camuflado como se fosse de área plantada. O esquema ficou conhecido como “Máfia do Carvão” e causou um desvio de R$8 milhões dos cofres da Receita estadual de Minas. O processo por crime tributário está sendo analisado no Supremo Tribunal Federal.
Alterações no SNUC
As modificações na lei do SNUC não param na transferência do poder de criação de UCs para o Congresso. Acrescentou-se um outro artigo, intitulado “artigo 22-B”, que não existe na lei atual e que lista situações que proibiriam a criação de Unidades de Conservação. O texto do novo artigo está parcialmente reproduzido abaixo. Os grifos são da reportagem.
Art. 2º. A Lei nº 9.985, de 2000, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 22-B:
“Art. 22-B. Fica vedada a criação de unidades de conservação da natureza em áreas:
I – antropizadas com estrutura produtiva consolidada;
II – com presença de bens de valor histórico, cultural e arquitetônico para a população;
III – identificadas, pelo órgão competente, como de favorabilidade geológica, considerando, para tanto, a concentração de minas na região e o conhecimento geológico, geoquímico e geofísico da área;
IV – com recursos hídricos estratégicos para a geração de energia elétrica.
“Art. 22-B. Fica vedada a criação de unidades de conservação da natureza em áreas:
I – antropizadas com estrutura produtiva consolidada;
II – com presença de bens de valor histórico, cultural e arquitetônico para a população;
III – identificadas, pelo órgão competente, como de favorabilidade geológica, considerando, para tanto, a concentração de minas na região e o conhecimento geológico, geoquímico e geofísico da área;
IV – com recursos hídricos estratégicos para a geração de energia elétrica.
Parágrafo único.
O Poder Público, excepcionalmente nos
casos de relevante interesse nacional, poderá criar, por meio de lei
específica, unidades de conservação da natureza nas áreas de que trata
este artigo, tendo o proprietário ou possuidor da área afetada direito à
indenização pelos prejuízos decorrentes da afetação, neste incluído o
valor do investimento realizado, as perdas e danos, e o que
razoavelmente deixou de lucrar com a interrupção de suas atividades.
A provável consequência do novo artigo é impedir a criação de novas
APAs (Área de Proteção Ambiental), pois são áreas protegidas de grande
extensão, com certo grau de ocupação humana. Há bairros e às vezes
cidades inteiras dentro de uma Unidade de Conservação da categoria APA.Outra consequência do artigo 22-B seria a vitória da Vale no impasse em torno da criação do Parque Nacional Serra do Gandarela. A área está em disputa entre a Vale e o ICMBio. Pelo novo texto (vide Inciso III), o ICMBio perde a área.
Além disso, para cada criação de unidade de conservação, o projeto de lei fixa a necessidade de ter previsão em lei orçamentária para a implantação da UC, incluindo recursos para desapropriação da área e pagamento de indenização aos proprietários particulares.
Populações tradicionais
Santana também alterou o artigo 23 do SNUC, que trata da posse e do uso das áreas ocupadas pelas populações tradicionais nas Reservas Extrativistas e Reservas de Desenvolvimento Sustentável. O deputado retirou os parágrafos que regulavam as atividades permitidas às populações tradicionais dentro das UCs de Uso Sustentável. A proibição à caça de animal ameaçado de extinção, por exemplo, desaparece.
Outra modificação importante foi dispensar lei específica para alterar -- aumentar ou reduzir -- o tamanho ou limites das Unidades de Conservação, contra o que dispõe o Inciso III do artigo 225 da Constituição Federal. Pelo relatório, desafetação de UC poderia ser feito por decreto presidencial.
Relator do Projeto de Lei 3.682/2012, Santana justifica as alterações:
“Da mesma forma que não podemos
coadunar com a devastação e degradação ambiental, não podemos ficar
silentes para uma defesa ambiental midiática, pautada pela burocracia
documental, pelo custo ambiental, pela inviabilização de atividades
produtivas e pelo cumprimento de metas transformando o Brasil em reserva
legal mundial”, escreveu.
Pacote do Código da Mineração
O PL 3.682/2012 faz parte do pacote do novo Código da Mineração. Segundo o deputado Vinícius Gurgel, autor do projeto, ele é necessário por “liberar áreas com riquezas minerais estratégicas para o desenvolvimento do País sem comprometer nosso esforço em favor da conservação”. Entretanto, uma das lacunas do texto é não prever onde as áreas que serão doadas como compensação pela mineração devem estar localizadas em relação à UC que será explorada.
Para o especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil, Aldem Bourscheit, o projeto é mais uma tentativa de flexibilizar a legislação ambiental.
“Ele [PL] ataca o Sistema Nacional de Unidades de Conservação ao tentar abrir áreas de proteção integral, como parques, reservas biológicas e afins a uma atividade altamente impactante e totalmente fora de conformidade com os motivos e princípios pelas quais foram criadas as áreas protegidas. É um completo absurdo e uma irresponsabilidade”, disse Bourscheit a ((o))eco.
De acordo com Bourscheit, os inúmeros pedidos de lavra e de mineração em áreas protegidas explicam a pressão do setor para que as leis de proteção ambiental sejam afrouxadas.
O PL 3.682/2012 estava na pauta da Comissão de Minas e Energia da Câmara para ser votado nesta quarta-feira (27), mas foi adiado porque Bernardo Santana, o relator, faltou a sessão.
No seu trajeto em busca de aprovação, o projeto ainda precisa passar pela comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e pela comissão da Constituição e Justiça e de Cidadania até ser apreciado no plenário da casa.
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