O Brasil tem florestas demais?
Essa é a pergunta implícita de um provocante artigo do pecuarista, Rafael Abrão Possik Jr, de Mato Grosso do Sul, e do general Antonio Burgos, coordenador do Curso de Pós Graduação em Estratégia Militar para a Gestão de Negócios da FAAP. Os dois usam dados de desmatamento global para defender que o Brasil foi um dos países que mais preservou suas florestas. E que agora teria moral para não aceitar ingerências externas na forma como lida com a preservação. E que também deveria rejeitar apelos “fundamentalistas” pela preservação.
Aí vai:
O Brasil é muito criticado por desmatar a Amazônia e, com isso, contribuir para gerar diversas catástrofes ambientais. Mas há alguns fatos importantes a considerar. Há oito mil anos, o Brasil possuía 9,8% das florestas mundiais. Hoje, o país detém 28,3%. Dos 64 milhões de quilômetros quadrados de florestas existentes antes da expansão demográfica e tecnológica dos humanos, restam menos de 15,5 milhões, cerca de 24%. Mais de 75% das florestas mundiais já desapareceram. Com exceção de parte das Américas, todos os continentes desmataram e muito, conforme revela o estudo da Embrapa Monitoramento por Satélite sobre a evolução das florestas mundiais1.
Segundo o Prof. Evaristo Eduardo de Miranda, doutor em ecologia e chefe geral da Embrapa Monitoramento por Satélite, a Europa, sem a Rússia, detinha mais de 7% das florestas do planeta e hoje tem apenas 0,1%. A África possuía quase 11% e agora tem 3,4%. A Ásia já deteve quase um quarto das florestas mundiais (23,6%), agora possui 5,5% e segue desmatando. No sentido inverso, a América do Sul, que detinha 18,2% das florestas, agora detém 41,4% e o grande responsável por esses remanescentes, cuja representatividade cresce ano a ano, é o Brasil.
Longe de estar encerrada no passado, essa tendência se mantém e, se o desflorestamento mundial prosseguir no ritmo atual, o Brasil – por ser um dos que menos desmatou – deverá deter no futuro quase a metade das florestas primárias do planeta. O paradoxo é que, ao invés de ser reconhecido pelo seu histórico de manutenção da cobertura florestal, o país vem sendo severamente criticado pelos campeões do desmatamento e paulatinamente alijado da própria memória.
O estudo da Embrapa indica que, apesar do desmatamento dos últimos trinta anos, o Brasil é um dos países que mais mantém sua cobertura florestal. Dos 100% de suas florestas originais, a África mantém hoje 7,8%, a Ásia 5,6%, a América Central 9,7% e a Europa – o pior caso do mundo – apenas 0,3%. Embora se deva mencionar o esforço de reflorestar para uso turístico e comercial, não é possível ignorar que 99,7% das florestas primárias européias foram substituídas por cidades, cultivos e plantações comerciais.
O continente que mais mantém suas florestas originais é a América do Sul, com 54,8%. Nossa legislação exige que as propriedades rurais preservem de 20% a 80% de sua área total na forma de reserva florestal. Com invejáveis 69,4% de suas florestas primitivas, o Brasil tem grande autoridade para tratar desse tema frente às críticas dos campeões do desmatamento mundial.
Mas não o faz. A inexistência de uma política bem definida permite que uma espécie de “fundamentalismo” obscurantista, quase uma cegueira ideológica, espalhe-se como vírus em nossos organismos de decisão e contamine parcela de nossos operadores do direito e da administração, gerando um somatório de ações judiciais, exigências não pertinentes em processos de licenciamento ambiental, atritos com ONGs, imprensa, etc., cujos impactos são nocivos ao interesse nacional, sem qualquer vantagem social, ambiental ou econômica para nosso país.
O artigo foi publicado no jornal eletrônico Dazibao, do escritório Pinheiro Pedro Advogados.
(Alexandre Mansur)
http://colunas.epoca.globo.com/planeta/2010/04/24/o-brasil-tem-florestas-demais/
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