15 de janeiro de 2010

Revista Galileu


GENEROSIDADE

Vidas secas?

Que nada. ONG mostra que é possível cultivar as áreas mais inóspitas do Brasil e, melhor, a comunidade produz o suficiente para comer, esverdear a paisagem e até fazer um dinheirozinho

Tati Silvestre

SEMENTE: Desde 98, Luiz Moura ensina comunidades a fazer hortas no semiárido

"A vida aqui só é ruim quando não chove no chão." Tem gente disposta a tirar a força desse primeiro verso de "Último Pau-de-Arara", clássico da música brasileira sobre os flagelos provocados pela seca. Onde a maioria das pessoas vê sinônimos de fome, miséria e desertificação, Luiz Geraldo de Oliveira Moura encontrou uma oportunidade. Criou uma ONG para incentivar as comunidades a plantar mesmo em locais inóspitos. E isso já vem pintando alguns pontos verdes em meio ao bege sem vida dos mapas de regiões dominadas pela seca. O que vem exterminando as razões para que as pessoas "deixem o seu Cariri, no último pau-de-arara".

Na infância, água nunca foi o problema na vida de Moura. Nascido em Fortaleza (CE), onde mora até hoje, passou a vida vendo o Atlântico diante de si. Mas, durante as férias, ia até a casa dos avós, onde sentiu pela primeira vez os contrastes entre as vidas das populações urbana e rural. Em 1998, Moura deixou para trás os 20 anos de uma bem-sucedida carreira de veterinário para fundar o Núcleo de Ensino e Pesquisa Aplicada (Nepa). A missão: criar uma alternativa de produção que não somente garanta a subsistência dessas comunidades, mas também a geração de renda, a preservação e a recuperação do meio ambiente. "Precisávamos inventar uma metodologia capaz de aproveitar ao máximo o pouco que se tem nessas regiões", diz Moura.

Depois de muitos estudos e reuniões, o modelo foi ganhando forma. E a melhor aposta era a agroecologia, sistema de cultivo sustentável que garante a preservação dos recursos naturais sem a utilização de agrotóxicos, fertilizantes minerais e outros produtos químicos. Definido o modelo, o Nepa começou suas atividades ao capacitar comunidades rurais, que passaram a ter acesso a modelos de produção com base na energia renovável, filtros biológicos, reúso da água, aquecedor e fogão solar, sistemas eólicos de irrigação e canteiros ecológicos.

VERDE: Esse garoto de Rio do Antônio (BA) disse que nunca tinha visto hortaliças na vida

O processo funciona assim: no período de um ano, a comunidade da área semiárida recebe a assessoria da ONG. Com a participação dos moradores locais, o Nepa desenvolve diagnósticos e análises da região para depois implementar o projeto mais eficaz para esverdear a paisagem local. Em geral, um ano depois, a comunidade tem o que ver e comer. "Conseguimos implementar a agroecologia em nossa comunidade, que não tinha esperança na possibilidade de poder plantar a própria comida. Hoje, cultivamos e vendemos. Tudo isso é feito de uma maneira sustentável", conta Guerda Maia, uma das pessoas beneficiadas pelo projeto no interior da Bahia.

OK, matar a fome e dar um novo horizonte para as comunidades é o objetivo número 1 da ONG, mas a vida não é só isso. Pensando assim, Moura desenvolveu uma estratégia para incentivar o consumo de alimentos agroecológicos nos grandes centros urbanos, próximos às comunidades em que a Nepa atua. "Com o que ganham ali, as comunidades rurais descobrem que é possível construir uma vida digna e produtiva, mesmo em uma região com escassez de recursos naturais", afirma Moura.

Como na maioria das iniciativas do tipo, o trabalho da ONG só é completo se houver a formação de agentes que possam sair por aí espalhando as técnicas desenvolvidas em outros cantos secos do País. E a Nepa chegou lá. Hoje acumula mais de 10 mil pessoas participantes dos encontros e formações em agroecologia orgânica no Ceará, São Paulo, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Bahia, Paraná e Goiás.

MUDANÇA DE CENÁRIO
As diferenças que separam as técnicas agrícolas tradicionais e a agroecologia do Nepa
TRADICIONAL >>> Monocultura que degrada a paisagem e o meio ambiente, utiliza agrotóxicos, diminui a biodiversidade, degrada o solo, polui recursos hídricos e maximiza a utilização da energia no próprio sistema natural
AGROECOLOGIA >>> Possibilita a natural renovação, facilita a reciclagem de nutrientes do solo, utiliza racionalmente os recursos naturais e mantém a biodiversidade


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