20 de fevereiro de 2014

Museu de Ciência e Tecnologia da Bahia tem futuro incerto

Sede no Imbuí está fechada para visitações desde 2010. Transferência para Parque Tecnológico é criticada pela comunidade acadêmica

VICTÓRIA LIBÓRIO
victorialiboriosimoes@gmail.com 


Dezenas de equipamentos utilizados para popularizar a ciência entre jovens baianos encontram-se amontoados no saguão do Museu de Ciência e Tecnologia (MC&T), na Boca do Rio, a espera do remanejamento do acervo técnico e patrimonial mobiliário para o Parque Tecnológico da Bahia, na Avenida Paralela. O destino do material, que inclui experimentos e jogos utilizados para a compreensão de disciplinas como física, química e biologia, foi determinado pelo Decreto Estadual nº 14.719, de 26 de agosto de 2013. 

Dentre outras resoluções, o documento estabelece a transferência de titularidade administrativa do Museu para a Secretaria de Ciência, Tecnologia & Inovação (Secti).

MC&T está fechado apra visitas desde 2010 por conta das reformas nos cabos de sustentação do teto e posterior decreto / Foto: Júlia Lins

De acordo com o decreto, todo o acervo deveria ser transferido em um prazo de 180 dias, mas nenhuma medida foi tomada para realizar a mudança do material, cujo prazo expira em fevereiro. Diante da decisão, os membros da comunidade científica baiana atentam para a necessidade de manutenção do museu no seu local original, a fim de preservar a história da instituição, considerada pioneira na América Latina.

Em defesa de um movimento pela revitalização do museu da Boca do Rio, representantes da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC), Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – Seccional Bahia (SBPC-BA) e Academia de Ciências da Bahia (ACB) se uniram para sensibilizar a sociedade diante da importância estratégica de um museu de ciência e tecnologia no Estado.

Na opinião do professor Nelson Pretto, secretário regional da SBPC, o fechamento de uma estrutura histórica como o MC&T configura falta de visão política. “Deveria haver uma revogação imediata do decreto e um anúncio em altas praças de que o Governo do Estado apoia a restauração e reabertura da instituição”, afirma. Para ele, a retirada de setores administrativos da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), que atualmente ocupam espaços no museu, deve ser feita com o propósito de retomar o projeto original de 1977.

O professor defende que a implementação de outros equipamentos como aquários, planetários, laboratórios públicos são essenciais ao estado. “Esses espaços são extremamente necessários para que se crie uma cultura científica no estado, bem como para a formação de uma visão crítica sobre C&T entre os cidadãos”.

Ainda no que se refere à construção de outro museu no Parque Tecnológico, cujo projeto está sendo capitaneado pela Secti, Nelson Pretto foi categórico: “Se a secretaria afirma que vai construir um novo e revitalizar o existente, ótimo! A SBPC o apoiará inteiramente. Mas não tem sentido abandonar uma estrutura pronta para começar outra do zero”, analisa.

Para o presidente da ACB, Roberto Santos, a situação atual do museu é lamentável. “O sucateamento do acervo e da estrutura, construída originalmente para abrigar um museu de ciência e tecnologia, demonstram o descaso político de diversos governos”, diz. “Tenho certeza de que a juventude perde e continua perdendo com a ausência de um espaço como esse, que incentiva a educação científica na Bahia, que vai mal das pernas”, completa.

Fechado para visitação de escolares desde 2010, devido a uma reforma nos cabos que sustentam o teto, o museu foi perdendo ao longo dos anos o seu objetivo inicial. Este fato preocupou o presidente da Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC), Carlos Wagner. “Estamos preocupados com o sucateamento do Museu de Ciência & Tecnologia da Bahia”, afirma. Para ele, desativar um museu que fez história contraria as expectativas sobre a vontade do Estado em ser referência em ciência e tecnologia no Brasil.

De acordo com o diretor do MC&T, Jorge Teixeira, o fechamento das atividades no museu tem impossibilitado a visita de escolas que tradicionalmente mantinham a atividade inserida nos seus planejamentos pedagógicos. Segundo os registros institucionais, a taxa média de visitação era de cinco mil pessoas ao ano, entre grupos escolares e visitas espontâneas, sem contar os números de solicitações atendidas pelo ônibus Ciência Móvel.

Ao ser questionado sobre futuro do museu, o ex-reitor da Uneb, Lourisvaldo Valentim, afirma que o acordo estabelecido com o secretário Paulo Câmera seria de que a Secti levaria apenas o nome “Museu de Ciência e Tecnologia da Bahia”, e não o acervo ou equipamento, como está descrito no decreto. Valentim, que encerrou sua gestão como reitor, não soube dizer o que será feito com as instalações do museu, que hoje é ocupado por duas pró-reitorias da universidade.
Salão do Museu está vazio com o acervo separado nos cantos da área / Foto: Júlia Lins

Durante a entrevista, Valentim ressaltou que um dos principais motivos que levaram o museu a diminuir as atividades ofertadas para a população foi o fato de que a manutenção dos custos deste equipamento para a Uneb se tornou onerosa. “Para nós era uma despesa um tanto grande, porque precisava pagar pessoal e empresa terceirizada”, disse. O ex-reitor também chamou a atenção para a falta de pessoal qualificado. “Precisaríamos contratar pessoal especializado na área de popularização da ciência, chegamos a solicitar diversas vezes a abertura de concurso público, mas não fomos bem sucedidos”.

Procurado por cinco vezes, o secretário da Secti, Paulo Câmera, não concedeu entrevista. No entanto, sua assessoria de imprensa informou que existem dois projetos educacionais em andamento: o Espaço Interativo Mundo da Ciência, localizado no Parque Tecnológico, orçado em 18 milhões de reais, e o Espaço Interativo da Ribeira, cuja pretensão é funcionar no mesmo local do Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC), abrigando também um Centro Digital de Cidadania (CDC). De acordo com a Secti, o galpão localizado na 
Cidade Baixa encontra-se em reforma e os experimentos já foram licitados e comprados, com previsão para entrega para abril deste ano. O investimento foi de R$ 7 milhões de reais, tendo vencido a licitação a empresa Ciência Prima, de São Paulo.

MUSEU
Os museus são, em sua natureza, instituições promotora da memória, e devem estar a serviço da sociedade, tendo como princípio o exercício da educação na base de sua missão. São cerca 190 espaços de popularização de ciência espalhados pelo país como museus, zoológicos, aquários, planetários, observatórios e jardins botânicos, que mantêm uma programação variada para todas as faixas etárias.
Com a proposta de estimular o interesse da população pelo conhecimento, os Centros e Museus de Ciência ganham cada vez mais importância no ensino e divulgação científica e tecnológica, em que as teorias são demonstradas na prática por experimentos e exercícios através dos equipamentos que fazem parte do patrimônio da instituição.
Prensa que imprimiu o primeiro Diário Oficial da Bahia e parte de avião estão expostos à ação do salitre sem manutenção adequada / Foto: Júlia Lins

PIONEIRISMO

O Museu de Ciência e Tecnologia da Bahia foi pioneiro na América Latina e serviu de modelo para instituições semelhantes em São Paulo e Rio Grande do Sul. Os profissionais contratados da época foram enviados à Londres para aprender como fazer um museu de ciência e tecnologia na Bahia. Com o apoio do Conselho Britânico, instituição do Reino Unido de fomento a países em desenvolvimento durante a Guerra Fria, um dos diretores do museu da categoria veio ao Brasil para a concepção e implantação dessa forma didática e agradável de aprender coisas acerca da ciência e tecnologia.
Segundo a Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC), são mais de 200 instituições associadas, distribuídas em todas as regiões do Brasil. No entanto, a maioria está concentrada nas capitais e grandes cidades, que é resultado de uma educação esquecida ao longo de mais de 100 anos. A Bahia tem mais de 14 milhões de habitantes. O número de museus e espaços culturais são insuficientes. “Precisamos de uma revolução e ocupar espaços ociosos no estado”, diagnostica o presidente Carlos Wagner Costa Araújo, diretor do Espaço Ciência e Cultura da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).
Dados que comprovam o mau desempenho do estudante brasileiro nas áreas de ciências podem ser facilmente encontrados em exames internacionais e nacionais, como o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA) e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), respectivamente, que mostram a carência de uma formação sólida dos brasileiros na área. Os dois sistemas de avaliação são categóricos ao afirmar que a formação não se dá somente na sala de aula, mas também em espaços não formais de ensino.
Outra pesquisa, sobre Percepção Pública da Ciência e Tecnologia na Bahia, encomendada ao Datafolha pela Academia de Ciências da Bahia, realizada com 404 pessoas, revela que a visita à museus e exposições não são hábitos frequentes registrados pelos baianos. A busca por informações sobre a temática está concentrada em programas e documentários na televisão, seguido de Internet, jornais e conversa entre amigos. A pesquisa do Datafolha conclui que há interesse por C&T na Bahia, porém existem dificuldades para obtenção de informações sobre o assunto, seja pela falta de preparo na escola ou pela falta de interesse sobre o tema na mídia geral.

HISTÓRIA
Inaugurado em 1979, durante o governo de Roberto Santos, o Museu de Ciência e Tecnologia da Bahia (MC&T) abriu um espaço para que a população baiana pudesse conhecer as peculiaridades da ciência por meio de equipamentos e experiências. Ao longo desses anos o museu vem sendo esvaziado, de forma que também esteve fechado por anos e foi reaberto somente em 1997. Xadrez gigante, canoa, esqueletos, armários e outros equipamentos se encontram amontoados no centro do salão. Já os aparelhos para experimentos de eletricidade e química estão em uma sala a parte ensacados a espera do transporte. A falta de engajamento dos líderes durante as mudanças políticas, trocas de cargos nas secretarias e questões relacionadas com prioridade e vontade política para sua manutenção e funcionamento são apontados como grande fator para o sucateamento de um equipamento histórico de memória do primeiro Museu de C&T da América Latina.
Ex-governador Roberto Santos foi idealizador do projeto na Bahia. Para ele, a sociedade baiana viviam um moemnto de efervecência, saindo de uma sociedade agrária para industrial e precisava de um campo de especialização na área. “Além de ser um museu educativo, também se dedicaria a atividade e desenvolvimetno cientifico e tecnologico, que também servisse de base de inovação para a industria petroquimica”. Segundo o professor de medicina aposentado da UFBA, um dos parceiros foi o Conselho Britânico, enquanto a Inglaterra vivia uma época de riqueza econômica muito grande e criou esse conselho para investir em países em desenvolviemento. Para isso, trouxe um dos diretores do museu de C&T de Londres para concepção e implantação dessa forma didática e agradável de aprender coisas acerca da ciência e tecnologia aqui na Bahia.
Ex-diretor do museu e professor aposentado de física da UFBA Fernando Santana foi um dos especialistas enviados à Londres na década de 1970 para aprender no Museu de C&T britânico como formas um campo de divulgação científica de forma lúdica. Para ele, esse abandono do equipamento é uma situação problemática, já que os museus despertam o interesse dos jovens pela ciência e deve ser de amplo acesso a todos. “A visitação de museus semelhantes, como na Noruega, Suécia e Estados unidos da América, é feita de forma espontânea”, explicou. Para ele, em vez dos jovens passearem pelas ruas, shoppings, ou ficarem desocupados, visitam e se divertem nos museus. “Uma realidade contrária à situação baiana”, analisou.
Ainda este ano, a Academia de Ciências da Bahia encomendou uma pesquisa para o Datafolha acerca da opinião da população da cidade de Salvador sobre aspectos relativos à Ciência e Tecnologia, além de identificar alguns comportamentos adotados pela população em relação ao tema. Por meio de 404 entrevistas, a pesquisa revela que entre os hábitos de informação sobre C&T, assitir programas e documentários na televisão é o que tem maior destaque, seguido de internet, jornais e conversa entre amigos. O mais surpreendente está no fato de que a visita à museus e exposições com esse fim foram hábitos pouco frequentes registrados na pesquisa. A pesquisa do Datafolha então conclui, que “ há interesse por C&T, porém alguma dificuldade para obtenção de informações sobre o assinto, seja pela falta de preparo na escola ou pela falta de interesse sobre o tema na mídia geral”.
Dados internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes (PISA), e nacionais, como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), mostram a carência de uma formação sólida dos brasileiros, pricipalemente em ciências, em que essa formação não se dá somente na sala de aula. Para o pesquisador da Faculdade de Educação da UFBA, Nelson Pretto, outros equipamentos além de museus, como aquários, planetários, laboratórios públicos de ciência e tecnologia seriam essenciais. “Aqui na Bahia somos privilegiados cientificamente falando, porque a articulação entre Ciência, Tecnologia e Cultura é fenomenal, de uma riqueza monstruosa”, explica.
“Temos muitas peças, distribuídas na parte interna e externa e outras projetadas aguardando verba para execução”, explica Teixeira. Mas o diretor faz questão de lembrar que a Uneb vem dando uma importante contribuição, sem a qual não seria possível o funcionamento. “Indo para outra secretaria ficaríamos a deriva e sem rumo, aos sabores de quem ocupar o cargo de secretario”.
De acervo permanente, o museu tem os equipamentos de transporte como a locomotiva, o avião e o carro de boi e os experimentos de física, química, biologia. Além disso,  tem coisas do cotidiano que possam passar algum conhecimento ligados a ciência, como por exemplo, o consumo de equipamentos de uso domésticos como chuveiro elétrico, lâmpadas entre outros. Já quanto as exposições temporárias, estas geralmente vêm de outros centros e museus, mas também o que é feito pela indústria e universidades da Bahia.
Segundo os registros de visitação do museu, existe uma média de 5 mil visitantes com agendamento de escolas e grupos por ano e aproximadamente a mesma quantidade de visitas expontâneas. “Com o ônibus temos aproximadamente 6000 pessoas atendidas, estes valores estão aproximados, pois temos dificuldade de registrar o movimento de circulação, sendo a quantidade de visitantes no interior muito superior da que esta apresentada”, explica Teixeira.

*Estudante de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo e estagiária da Agência de Notícias em CT&I

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