24 de outubro de 2011

Brasil não transforma conhecimento científico em tecnologia


Fapesp reuniu indicadores sobre o atual estado da pesquisa e desenvolvimento científico no país. Dados mostram que o Brasil publica mais estudos, mas está estagnado nas inovações tecnológicas

BRUNO CALIXTO (TEXTO) E RENATO TANIGAWA (INFOGRAFIA)
Não há dúvidas de que tecnologia é crucial no mundo. As inovações tecnológicas, de celulares a novos medicamentos, estão por toda a parte, e dominar essa tecnologia é fundamental para que um país consiga se desenvolver. Infelizmente, nesse quesito o Brasil não está avançando. Um estudo publicado recentemente pela Fapesp apresenta indicadores positivos para a produção de ciência no Brasil, mas preocupantes quando se trata de transformar esse conhecimento em inovação e novas tecnologias. Segundo os "Indicadores de Ciência e Tecnologia" da Fapesp, o país vive um momento de "estagnação relativa" no cenário tecnológico mundial.
A análise foi feita com base nos depósitos de patentes de empresas e instituições brasileiras no Escritório de Patentes dos Estados Unidos. Segundo o professor da UFMG e autor do estudo, Eduardo Albuquerque, os números sugerem que a produção tecnológica brasileira sofre de uma "maldição da rainha vermelha", referindo-se à personagem do livro Alice no País do Espelho, de Lewis Carroll. No livro, a rainha vermelha diz que "precisa correr o máximo que puder para permanecer no mesmo lugar". De fato, o Brasil está correndo: se compararmos a quantidade de inovações patenteadas hoje com as depositadas na década de 1970, vemos que o Brasil está patenteando oito vezes mais. Porém, o resto do mundo continua crescendo, e países como Taiwan, Coreia do Sul, China estão crescendo muito mais. Em 1974, o Brasil ocupava a 28ª colocação no ranking dos países que mais depositaram patentes nos Estados Unidos. Em 2006, apesar do aumento da produção, o país caiu uma posição, e hoje ocupa a 29ª colocação. China e Coreia do Sul nem apareciam no ranking em 1974, e hoje estão em 10º e 4º, respectivamente.
O Brasil continua patenteando nos anos 2000 nos mesmos subdomínios da década de 1970. Isso é preocupante, significa que não estamos acompanhando o mundo "
Eduardo Albuquerque, professor da UFMG, doutor em economia da ciência e tecnologia
Além da análise quantitativa, o estudo procurou analisar as inovações patenteadas no Brasil, no INPI, de acordo com as áreas de conhecimento dessas patentes. A análise mostra descompasso entre o que o Brasil está desenvolvendo, em relação aos outros países. Em 2006, as áreas de conhecimento que tiveram a maior quantidade de patentes no mundo foram os setores de informática e telecomunicações. O Brasil, no entanto, cria muito pouco nessas áreas. Na lista de patentes brasileiras, informática é apenas a 21ª área mais patenteada, e telecomunicações só aparece em 16º. O subdomínio que tem menos patentes no Brasil é o de semicondutores, o quinto mais patenteado no mundo.
"Não vemos mudança nas áreas que estamos inovando. O Brasil continua patenteando nos anos 2000 nos mesmos subdomínios da década de 1970. Isso é preocupante, significa que não estamos acompanhando o mundo", diz Albuquerque. As áreas mais patenteadas por empresas e instituições brasileiras são de consumo, manutenção gráfica e construção civil.
Empresas brasileiras não inovam
A análise de patentes registradas no Brasil também indica outro problema: a diferença entre as patentes de residentes - empresas e instituições brasileiras - e não residentes, empresas e instituições estrangeiras que patenteiam uma invenção no Brasil para poder fazer uso comercial da inovação no país. O problema é que, nas áreas mais avançadas da tecnologia, as patentes estrangeiras são esmagadoramente predominantes. Nas áreas de química orgânica, farmacêutica e biotecnologia, por exemplo, mais de 90% das patentes registradas no Brasil são de empresas ou instituições estrangeiras.
Albuquerque chama atenção para outra descoberta do estudo: diferente do padrão dos principais países desenvolvidos, as empresas brasileiras não investem em inovação e tecnologia. A participação das universidades e instituições, como a Unicamp e a Embrapa, é proporcionalmente maior no Brasil do que em outros países. Na lista dos vinte maiores patenteadores dos EUA, por exemplo, só aparece uma instituição de ensino, o MIT. No Brasil, aparecem nove instituições. "Não estou dizendo que é um problema das Universidades, pelo contrário. Elas estão fazendo o papel delas. O que está faltando é produção de patentes por empresas, tanto as públicas como as do setor privado", diz Albuquerque. As principais empresas brasileiras no ranking de patentes são a Petrobras, a Vale e a Arno. Empresas estrangeiras também têm forte participação no patenteamento no Brasil. As que mais depositaram patentes no INPI foram a norte-americana Procter & Gamble e as alemãs Bayer e Basf.
A boa notícia: ciência brasileira está crescendo
Laboratório microscópio (Foto: Getty Images)
Apesar dos dados preocupantes em relação à invocação tecnológica no Brasil, nem todos os indicadores apresentados no estudo são negativos. Os dados mostram que a contribuição do Brasil na produção de ciência em todo o mundo vem aumentando. "O Brasil está crescendo em produção científica, e é um crescimento constante, sustentável", diz o pesquisador Leadro Innocentini Lopes de Faria, um dos autores do estudo. A produção científica brasileira cresceu 43,5%, uma taxa acima da média mundial, que foi de 22%. Os números mostram que a contribuição brasileira para a produção científica mundial passou de 1,6% (2002) para 1,9% em 2006.
Esse cálculo foi feito com base nas publicações brasileiras em revistas científicas nacionais e internacionais de prestígio. Foram cerca de 19 mil publicações, no Brasil e no mundo, com pelo menos um pesquisador brasileiro assinando a pesquisa. As áreas de estudo que mais cresceram foram Medicina, Física, Química, Botânica, Biologia e Bioquímica e Engenharia.
Segundo Faria, duas ações são importantes para melhorar os índices de produção científica do Brasil. A primeira é aumentar a colaboração entre os pesquisadores de várias regiões do país. O estudo mostra que, atualmente, existe uma forte concentração da pesquisa em poucos estados. A região Sudeste, por exemplo, concentra 74,5% de tudo o que é pesquisado no Brasil, enquanto a região Norte produz apenas 2,7%. Depois de olhar para o próprio país, o segundo passo é olhar para fora. "Em segundo, é preciso aumentar a internacionalização da pesquisa brasileira. Estimular mais brasileiros estudando no exterior, e trazer pesquisadores de fora para desenvolver projetos no Brasil", diz Faria. As recentes medidas anunciadas pelo governo procuram internacionalizar nossa produção de ciência, mas falta ainda um olhar parecido para gerar tecnologia de ponta no país.
FONTE: EPOCA.COM

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