Pesquisadores da PUCRS aperfeiçoam método que ajudará a preservar mamíferos carnívoros do Brasil e de outras partes do mundo. O procedimento envolve análises de pelos desses animais e do DNA encontrado em suas fezes.
Publicado em 09/11/2009 | Atualizado em 13/11/2009
Onça-pintada ('Panthera onca') no Pantanal de Miranda, Mato Grosso do Sul. Pesquisas feitas na PUCRS permitirão o desenvolvimento de estratégias de conservação dessa e de outras espécies de carnívoros (foto: Paulo Albuquerque Filho).
Todas as espécies de felinos que ocorrem no Brasil estão na lista vermelha do Ibama e da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN, na sigla em inglês). Em ambas, eles aparecem como espécies vulneráveis, que enfrentam uma probabilidade de extinção de pelo menos 10% em 100 anos.
Na tentativa de reverter essa estatística, pesquisadores gaúchos aprimoraram um método para identificar espécies de carnívoros (que incluem os felinos) a partir de amostras de fezes, fazendo análises de DNA e exame microscópico de pelos. “Só é possível traçar estratégias eficazes de conservação desses animais se conhecermos bem seus hábitos e sua distribuição geográfica”, diz o biólogo Eduardo Eizirik, que coordena o trabalho, realizado no Laboratório de Biologia Genômica e Molecular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre.
“Nosso método torna essa perspectiva factível”, garante Eizirik, que também é membro do Instituto Pró-Carnívoros, uma ONG voltada para a pesquisa e conservação desses animais. Segundo ele, como as espécies de carnívoros são em geral difíceis de capturar, a análise das fezes e dos pelos é um método eficiente e adequado, além de não ser invasivo, para identificar, caracterizar e monitorar as populações.
Mas a identificação de espécies a partir de amostras fecais pode não ser precisa se baseada em critérios tradicionais da genética forense. O biólogo conta que o DNA do animal está presente em pequena quantidade nas fezes por causa dos altos níveis de degradação. Além disso, elas contêm DNA de outros animais, bactérias, pedaços de alimentos ingeridos e células intestinais, entre outros elementos. “Por isso é necessário um aperfeiçoamento constante do método”, afirma.
Identificar espécies com base na microscopia de pelos é um método simples, barato e que requer aparato tecnológico modesto, podendo ser aplicado em campo. “Mas algumas características morfológicas dos pelos podem levar a uma interpretação equivocada”, alerta. Já a identificação feita com base na análise do DNA fecal é um método mais preciso. Porém é mais caro e tecnicamente complexo. Eizirik sugere que ambos sejam usados de modo complementar para garantir maior precisão.
Os pesquisadores compararam a eficiência dos métodos para identificar espécies de carnívoros. Ambos foram aplicados a 102 amostras fecais coletadas em uma área de mata atlântica no Rio Grande do Sul. Em 70 delas foi possível analisar as sequências de DNA, enquanto os pelos foram encontrados em 57. Em seguida foram analisadas comparativamente 44 amostras sobrepostas pelos dois métodos. “Houve divergências em apenas três delas”, relata Eizirik.
A equipe procura agora padronizar o método. Para melhorar sua eficiência, será preciso normatizar a coleta das amostras, minimizando contaminações e preservando a qualidade do DNA ali contido. Eizirik lembra que o método ainda precisa ser testado em outras partes do mundo com características distintas. No momento, os pesquisadores estão testando a metodologia em amostras provenientes da Argentina e da África. Segundo o biólogo, os resultados obtidos são bastante promissores.
Onças e gatos
A nova metodologia já rendeu bons frutos e está sendo empregada para identificar onças-pintadas (Panthera onca) e onças-pardas (Puma concolor) em campo, em várias regiões. Encontrada em áreas quentes e temperadas do continente americano, a onça-pintada é o maior carnívoro terrestre do Brasil e o terceiro do mundo (só perde para o leão e o tigre).
Esse símbolo da fauna brasileira está em perigo. Os poucos exemplares que restam têm sofrido com a caça, com a destruição de hábitats e com o isolamento populacional. A identificação dessas espécies de onça está sendo feita em diferentes estados brasileiros, por vários centros de pesquisa, com o apoio da equipe da PUCRS. Segundo Eizirik, este e outros estudos fornecerão subsídios relevantes para traçar estratégias eficazes de conservação das onças na natureza.
Recentemente, outros trabalhos do grupo revelaram descobertas curiosas. Acreditava-se que o gato-do-mato pequeno (Leopardus tigrinus) e o gato-do-mato grande (L. geoffroyi) cruzavam e geravam descendentes férteis apenas entre si. Durante pesquisas sobre a distribuição das duas espécies, a equipe encontrou animais que não se encaixavam em nenhuma delas. Tinham pelagem parecida com a de L. tigrinus e o tamanho de L. geoffroyi. Ao analisar o DNA e os pelos dos animais, constatou-se que se tratava de gatos-do-mato híbridos. O estudo foi publicado no prestigiado periódico norte-americano Molecular Ecology.
Brasil e África
O Laboratório de Biologia Genômica e Molecular da PUCRS está envolvido também no projeto Pró-África, lançado em 2003 pelo CNPq, e tem pela frente a missão de ajudar a construir um laboratório similar na Namíbia, África, para atender às necessidades do Cheetah Conservation Fund (Fundo para a Conservação dos Guepardos).
A geneticista alemã Anne Schmidt-Küntzel e o biólogo angolano Ezequiel Fabiano, que atuam na instituição, vieram a Porto Alegre aprender técnicas aperfeiçoadas de análise de fezes e colher informações para o laboratório que está sendo construído. Eles trouxeram amostras fecais de guepardos (Acinonyx jubatus) para a realização de testes, já que esse felino é o objeto de estudos do grupo africano.
Com músculos bem desenvolvidos – que lhe garantem velocidade singular (pode atingir até 120 km/h) – e inabilidade para escalar lugares altos, o guepardo é um felino atípico que habita as savanas da África e do sudoeste asiático. Atualmente, está incluído na lista de espécies ameaçadas de extinção da IUCN. De acordo com dados divulgados pelo Cheetah Conservation Fund, há menos de 10 mil guepardos em todo o mundo. A Namíbia abriga a maior população desse felino (aproximadamente 3 mil indivíduos).
Confira mais imagens de felinos que podem ser beneficiados com o uso do novo método.
Luan Galani
Especial para a CH On-line / PR 09/11/2009
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