28 de fevereiro de 2012

Acarajés quentes no tabuleiro da “Graciosa”

A herança de Sergio Gabrielli para Maria das Graças Foster, na Petrobras, inclui denúncias de desvios de dinheiro da estatal para
campanhas do PT na Bahia

HUDSON CORRÊA

Na Bahia, acarajé quente é sinônimo de bastante apimentado. Chamada de “Graciosa” pela
presidente Dilma Rousseff na cerimônia de posse na última segunda-feira, a
mineira radicada no Rio de Janeiro Maria das Graças Foster assumiu a
presidência da Petrobras diante de um cardápio de problemas que inclui dois
acarajés quentíssimos. Eles foram deixados sobre sua mesa por seu antecessor
direto, o petista José Sergio Gabrielli, e referem-se a duas denúncias de desvio
de recursos da empresa para irrigar campanhas do PT na Bahia, terra natal de
Gabrielli. E é justamente lá onde o mais longevo presidente da Petrobras
retomará a carreira política. Após seis anos e sete meses no comando da maior
empresa da América Latina, Gabrielli fará parte do governo de Jaques Wagner
(PT), onde pretende pavimentar sua candidatura ao governo do Estado em 2014.
Não há
elementos que envolvam diretamente Gabrielli com as duas denúncias narradas a
seguir. Mas os dois episódios ocorreram em sua gestão, e ele pouco ou nada fez
para saná-los. O primeiro caso passa pela ONG Pangea – Centro de Estudos
Socioambientais, sediada em Salvador. De acordo com documentos da
Controladoria-Geral da União (CGU), a que ÉPOCA teve acesso com exclusividade,
boa parte do dinheiro repassado pela Petrobras à Pangea foi desviada. A CGU
suspeita de que parte desses recursos tenha ido parar no caixa dois de campanha
do PT na Bahia. Indo aos valores exatos: entre junho de 2004 e dezembro de
2006, a Pangea recebeu R$ 7,7 milhões da Petrobras para dar assistência e
organizar catadores de lixo em dez municípios baianos. Um pente-fino da CGU,
órgão do governo encarregado de fiscalizar o uso de verbas federais, concluiu
que não há comprovação de gastos para mais de R$ 2,2 milhões.

Na ocasião do repasse, a Pangea era presidida por seu fundador, Sérgio Veiga de
Santana, um ex-deputado estadual do PMDB baiano, partido que teve papel
fundamental na eleição de Jaques Wagner em 2006. Ao investigar o destino que a
Pangea deu ao dinheiro, a equipe da CGU identificou um cheque de R$ 25 mil pago
a Ademilson Cosme Santos de Souza, irmão e tesoureiro de campanha de Antonio
Magno de Souza. Conhecido como Magno do PT, Antonio concorria à prefeitura da
cidade baiana de Vera Cruz. O depósito foi feito em setembro de 2004, às
vésperas das eleições municipais. Naquele ano, Magno do PT informou à Justiça
Eleitoral ter arrecadado apenas R$ 21.600 para a campanha, sem mencionar o tal
cheque. Isso reforça a suspeita de caixa dois. No relatório da CGU, os técnicos
afirmam que a legislação impede que ONGs façam doações a políticos.
O cheque
de Magno do PT é apenas um dos indícios do desvio da verba da Petrobras. O
dinheiro do patrocínio à Pangea deveria ter sido depositado numa conta bancária
específica, registrada em contrato, mas a CGU descobriu que pelo menos R$ 1,9
milhão foram transferidos para outras contas bancárias da ONG, com altos saques
na boca do caixa. Em meio a essas transações, apareceu o cheque de R$ 25 mil.
Magno do PT nega ter recebido o dinheiro e afirma que Ademilson, seu irmão, se
afastou da campanha e do PT, passando ao grupo adversário. Na data do cheque,
de acordo com a CGU, Ademilson ainda era tesoureiro de Magno do PT. A CGU
constatou outros problemas. O próprio fundador da ONG, Sérgio Santana, recebeu
R$ 11.500, atribuídos à venda de um carro usado à Pangea, mas a CGU não
encontrou recibos da transação. Procurado e questionado sobre o uso dos
recursos, Santana disse: “Não me lembro, deixei a ONG em 2007”.
O
primeiro contrato da Pangea com a Petrobras foi fechado em 2004, quando o
presidente da Petrobras era o também petista José Eduardo Dutra. Na gestão
seguinte, de Gabrielli, foram assinados mais cinco contratos com a ONG,
totalizando R$ 11 milhões. A fiscalização sobre o dinheiro repassado à Pangea
começou em setembro de 2008. E, mesmo com os indícios de desvios detectados
pela CGU nos contratos fechados entre 2004 e 2006, a Petrobras aprovou mais
dois patrocínios para a Pangea em 2010: um de R$ 2 milhões, para um projeto
envolvendo catadores de lixo, e outro de R$ 1,4 milhão, voltado à geração de
renda para pescadores. O projeto milionário da Pangea registrava, segundo a
própria ONG, 748 cooperados até março do ano passado.
Um dos
primeiros passos da equipe da CGU ao iniciar a investigação foi tentar
localizar cinco empresas contratadas pela ONG com dinheiro da Petrobras.
Juntas, as firmas receberam cerca de R$ 2 milhões. O endereço atribuído a elas
fica no município de Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador. No
local onde deveria estar a Estrada Construções, responsável pela construção de
galpões para as cooperativas dos catadores de material reciclável, os fiscais
se viram diante de um consultório odontológico com uma enorme placa onde se lia
“Volte a sorrir”. No andar de cima, os letreiros informavam que ali era a sede
da Igreja Missionária Pentecostal.
Os
funcionários do consultório desconheciam a Estrada Construções. Logo que a
investigação dos auditores começou, as empresas comunicaram à Receita Federal
mudança de endereço das sedes, uma possível estratégia para despistar os
auditores. Curiosamente, o novo endereço da Estrada era, segundo a CGU, o mesmo
de outras duas empresas procuradas: a Acap Construções e a Vac-All do Brasil
Serviços Industriais. À primeira também se atribuía a construção de galpões e à
segunda a fabricação de contêineres. No novo endereço, os auditores não encontraram
nenhuma das três empresas. O andar de cima era uma residência. O de baixo
estava reservado a cultos evangélicos.
A Vac-All foi localizada a 12 quilômetros de distância, num pequeno galpão, com
instalações modestas para uma empresa que, segundo a Pangea, fornecera cinco
esteiras transportadoras mecânicas, 140 carrinhos para o transporte de
materiais e nove compactadoras de lixo, entre outros equipamentos, a um custo
de R$ 904 mil. Como a Vac-All não tinha inscrição estadual para vender
máquinas, emitiu notas fiscais de prestação de serviços indevidamente. Os
fiscais também não localizaram nem a Engenho Serviços, tida como fabricante de
bonés e camisetas para catadores da cooperativa, nem a JR 2 Comunicação,
responsável pelo material de divulgação do projeto. O empresário Wellington
Oliveira Rangel, dono da Vac-All e cuja família aparecia como gestora da
Estrada Construções e da JR 2, negou a ÉPOCA que as empresas sejam de fachada.
Ele disse que os serviços e equipamentos foram efetivamente entregues à Pangea.




A CGU enviou o relatório de fiscalização com todas as irregularidades para o Tribunal
de Contas da União (TCU). O processo, dentro do Tribunal, ainda não foi
concluído. No final do ano passado, o TCU solicitou à CGU informações sobre as
providências adotadas no caso Pangea. A Controladoria cobrou da Petrobras
explicações sobre o dinheiro desviado. Em casos semelhantes, o TCU determinou
que a própria companhia fiscalize a aplicação do dinheiro.

A Petrobras afirmou que, nos casos de contratos de patrocínio, não verifica o
destino dos recursos repassados às entidades. A única fiscalização feita tem o
objetivo de verificar se o projeto foi executado conforme o contrato e se houve
a contrapartida para a imagem da empresa, enquanto patrocinadora. No caso da
Pangea, essa fiscalização ocorreu, segundo a Petrobras, com visita in loco
e análises de relatórios. “O projeto cumpriu todas as metas” e ainda recebeu
prêmios, afirmou a companhia. A Petrobras disse também que os contratos não
tiveram motivação política. A companhia não comentou a suspeita de caixa dois.
A Pangea também negou desvios. Disse que o relatório da CGU é preliminar e
inconclusivo. Afirmou que as empresas não localizadas pela Controladoria
prestaram os serviços contratados e que todos os recursos da Petrobras foram
aplicados.

O outro acarajé quente para Maria das Graças Foster se chama Geovane de Morais,
ex-gerente de comunicação da área de Abastecimento da Petrobras demitido por
justa causa pela companhia no dia 3 de abril de 2009. Ligado ao grupo político
de Gabrielli e do governador Jaques Wagner, o baiano Morais cometeu uma série
de irregularidades. Ele extrapolou o orçamento de sua gerência. Sem licitação
ou autorização formal, gastou cinco vezes o previsto em 2008, ano de eleições
municipais. Seu orçamento era de R$ 31 milhões, e a despesa chegou a R$ 151
milhões. Houve pagamentos sequenciais e sem o amparo legal de contratos. Entre
as empresas beneficiadas estavam duas produtoras de vídeo baianas que
trabalharam para a campanha de Wagner em 2006 e para duas prefeituras petistas.
Passados
quase três anos, a demissão de Morais, de 45 anos de idade, não foi efetivada.
Ele continua recebendo todo mês o mesmo que ganhava como funcionário de
carreira da Petrobras. A despesa é bancada pela companhia e pela Previdência
Social (auxílio-doença). Segundo a estatal, a demissão não foi efetivada porque
o ex-gerente permanece de licença médica. Qual seu salário e que doença afinal
ele tem? “São informações pessoais e não podem ser divulgadas”, diz a
Petrobras.
A estatal afirma que todos os procedimentos internos para formalizar a demissão
foram adotados. Não respondeu se caberia alguma decisão judicial e disse que já
comunicou a demissão a Morais. Ele parece não ter se incomodado. É outro
acarajé para Maria das Graças Foster digerir.

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