Nem mesmo a lei
Jamanxim é um cesto de palha ou cipó trançado que se adapta às costas,
como mochila, usado pelos seringueiros e moradores da floresta para
carregar pertences a longas distâncias.
Jamanxim é também o nome de uma Floresta Nacional (Flona) criada em
2006, no sul do Pará, num conjunto de medidas para conter o desmatamento
que avançava sobre a Amazônia, principalmente pela BR-163. É uma
Unidade de Conservação (UC) de uso sustentável estratégica. Sua função é
semelhante ao jamanxim-mochila: levar para longe das correntes das
motosserras os serviços ecológicos e socioambientais que presta.
Pelo que se lê nos jornais, está na mira dos ruralistas. Querem subtrair
dela uma área do tamanho de três cidades de São Paulo. A Flona é
pressionada por grilagem, pecuária ilegal, extração de madeira,
queimadas. De 2000 a 2009, a ação antrópica cresceu de menos de 1% para
mais de 10% de sua área de 1 milhão e 300 mil hectares. Mesmo assim, os
relatórios técnicos indicam que ainda cumpre sua função de proteção e
contenção do avanço do desmatamento.
A criação de UCs tem um rito institucional que envolve pesquisas
prévias, emissão de laudos e mapas, que identificam ocupantes para
desintrusão ou regularização. A devastação e a ocupação irregular feitas
após a criação da unidade são, com raríssimas exceções, ações
criminosas e não podem ser usadas como justificativa para reduzir a
área.
As florestas nacionais são UCs que permitem atividades econômicas
sustentáveis, que podem gerar trabalho e renda a grande número de
famílias. Temos uma legislação que regulamenta essa exploração por meio
de concessões públicas, com segurança ambiental.
Mas essa alternativa necessita do fortalecimento do Serviço Florestal
Brasileiro, e o governo não demonstra muito interesse no avanço dos
projetos de desenvolvimento sustentável. Retrocessos têm sido a marca na
política ambiental, como vem sendo apontado por um amplo conjunto de
organizações da sociedade.
Este ano começou com uma medida provisória que reduziu UCs na Amazônia
para a construção de hidrelétricas. A posição frouxa do governo na
discussão do Código Florestal permitiu que ele fosse completamente
desfigurado para transformar-se num código agrário. E até a Constituição
é desrespeitada pela AGU, que cria "legislação" permitindo que obras de
infraestrutura sejam feitas em terras indígenas sem qualquer consulta.
Está clara a disposição em prosseguir com o desmonte da tessitura legal
que possibilita a gestão ambiental do país. Aos amigos, tudo; aos
inimigos, nem mesmo a lei. "Inimigos" são os que questionam a obsessão
de trocar riquezas ambientais por ganhos imediatos de alguns
negociantes.
MARINA SILVA escreve às sextas-feiras na coluna da folha de Sao Paulo.
Marina Silva, ex-senadora, foi ministra do Meio Ambiente no
governo Lula e candidata ao Planalto em 2010. Escreve às sextas na
versão impressa da Página A2.
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