REINALDO JOSÉ LOPES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Num conjunto monumental de estudos, que envolveu análises de DNA de
quase 8.000 tumores e dezenas de tipos diferentes de câncer, uma equipe
internacional de pesquisadores afirma ter dado passos importantes para
chegar a tratamentos mais racionais contra a doença.
Ou melhor, "as doenças", já que os médicos sabem há tempos que, quando
se trata de câncer, cada caso é um caso. O principal achado das novas
pesquisas, no entanto, é que muitas vezes tumores de órgãos totalmente
diferentes --um localizado na garganta e outro na bexiga, por exemplo--
podem ter perfil genético surpreendentemente parecido.
"Com isso, os oncologistas poderiam aplicar tudo o que eles sabem a
respeito do tratamento de certos tumores de cabeça e pescoço aos 10% dos
cânceres de bexiga que têm as mesmas características, por exemplo",
explica Josh Stuart, professor de engenharia biomolecular da
Universidade da Califórnia em Santa Cruz que é um dos autores da nova
batelada de pesquisas sobre o tema.
Da mesma maneira, dizem os pesquisadores, quando novas drogas anticâncer
forem testadas, às vezes fará mais sentido agrupar os pacientes pelas
alterações no DNA de suas células tumorais, "projetando" remédios que
neutralizem essas alterações, e não separar pacientes por órgão afetado
pela doença.
Os artigos científicos são produto do projeto internacional conhecido
como TCGA (sigla inglesa de Atlas do Genoma do Câncer) e estão saindo na
edição de outubro da revista científica "Nature Genetics". Até 2015, a
meta do TCGA é analisar um total de 10 mil tumores, ligados a 25 tipos
de câncer.
PODER ESTATÍSTICO
As descobertas do projeto só estão sendo possíveis graças aos avanços
recentes na tecnologia de "leitura" do DNA, hoje cada vez mais barata e
rápida. Com isso, os pesquisadores conseguem tanto obter enorme
quantidade de dados brutos quanto usar técnicas estatísticas
sofisticadas para achar correlações entre eles.
Um dos principais desafios nesse sentido é justamente achar as agulhas
no palheiro genômico do câncer, digamos. Uma célula normal só vira
cancerosa por causa de alterações em seu DNA, as quais a levam a se
multiplicar de maneira desenfreada e formar tumores.
Mas o problema é que nem sempre fica clara a diferença entre as
alterações no DNA consideradas as "motoristas" do câncer, ou seja, as
responsáveis por desencadear a formação de tumores, e as "passageiras",
que são resultado de acidentes do funcionamento das células tumorais,
mas não têm esse mesmo poder destrutivo.
Os novos trabalhos avançam nessa direção, mostrando algumas coisas
curiosas. Parece que existem duas grandes categorias de cânceres. Uma
delas está ligada principalmente a mutações no DNA que envolvem trocas
de "letras" químicas. Outras parecem ter mais a ver com alterações no
número de cópias de genes - em vez de ter duas cópias de um determinado
gene, como seria normal, por exemplo, as células cancerosas têm só uma,
ou três, ou mais ainda.
O que é ainda mais bizarro, um dos estudos do grupo, liderado por Rameen
Beroukhim, da Universidade Harvard, mostrou que quase 40% dos tumores
possuem duplicações do genoma inteiro - em resumo, possuem duas vezes
mais material genético que uma célula normal.
Esse e outros dados indicam que um dos fatores mais importantes para o
surgimento do câncer pode ser uma falha no "empacotamento" do DNA no
núcleo da célula, formando a chamada cromatina, um novelo de DNA mais
proteínas. Esse parece ser um alvo "quente" para pesquisas futuras,
dizem os cientistas.
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