Lei Complementar 140 e Nova Lei Florestal: efeitos sobre as normas de proteção da Mata Atlântica
17/04/2013
A Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006) foi aprovada depois de mais
de catorze anos de tramitação com intensos conflitos, nos quais se
colocavam, de um lado, parlamentares e organizações não-governamentais
ambientalistas e, de outro, parlamentares e entidades representativas do
setor produtivo especialmente dos estados da região sul do país. As
maiores divergências nesse processo legislativo foram relativas à
abrangência territorial do bioma Mata Atlântica.O empenho da sociedade
civil em prol dessa lei foi tão forte, que viabilizou a própria
consolidação da Rede de ONGs da Mata Atlântica, hoje com mais de
trezentas entidades filiadas em dezessete estados brasileiros.
No final do referido processo legislativo, gerou-se um texto legal
que pode ser lido como reflexo de um aprendizado político relevante. Os
conflitos existentes foram solucionados com a adoção de um texto
inovador, que incorpora a preocupação com os instrumentos econômicos de
política ambiental e, cabe ressaltar, trabalha a proteção das florestas e
outras formas de vegetação segundo critério diferenciado, conforme se
trate de vegetação nativa primária ou secundária. O critério de regular a
proteção segundo a caracterização como vegetação primária ou secundária
em diferentes estágios de regeneraçãoé adotado apenas pela Lei da Mata
Atlântica, fundamentando-se na situação particular de grande degradação
do bioma.
A Lei 11.428/2006 tem base no próprio texto da Constituição federal,
que em seu art. 225, § 4º, define esse bioma e outros como patrimônio
nacional e prevê que sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de
condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive
quanto ao uso dos recursos naturais.
Cabe analisar, então, a força normativa da Lei da Mata Atlântica, em
face de duas inovações importantes no nosso conjunto de leis ambientais
de aplicação nacional: a Lei Complementar 140/2011 e a nova lei
florestal (Lei 12.651/2012, alterada pela Lei 12.727/2012), que revogou a
Lei 4.771/1965.
A Lei Complementar 140/2011, que dispõe sobre a atuação coordenada em
política ambiental de União, Estados, Distrito Federal e Municípios,
inclui dispositivo que assegura a plena aplicação da Lei da Mata
Atlântica. Fica estabelecido expressamente no art. 11 da referida lei
complementar que “a lei poderá estabelecer regras próprias para
atribuições relativas à autorização de manejo e supressão de vegetação,
considerada a sua caracterização como vegetação primária ou secundária
em diferentes estágios de regeneração, assim como a existência de
espécies da flora ou da fauna ameaçadas de extinção”. Assim, as
atribuições dos entes federados para a emissão de licenças e
autorizações ambientais, nas áreas abrangidas pelo bioma Mata Atlântica,
deverão observar também as disposições nesse sentido constantes na Lei
11.428/2006.
A análise nessa linha assume maior potencial de polêmica quando se
colocam em pauta os efeitos da nova lei florestal na aplicação da Lei da
Mata Atlântica. Entende-se que ela é uma lei especial não apenas porque
se direciona a um bioma específico, mas também em razão de suas regras
assumirem a vegetação nativa primária ou secundária em diferentes
estágios de regeneração como parâmetro, diferentemente da nova lei
florestal e, também, do que fazia a Lei 4.771/1965 revogada.
A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o
declare,quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente
amatéria de que tratava a lei anterior, consoante disposto na Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4657/1942).
Ocorre que a mesma lei expressa, no § 2º do seu art. 2º, que “a lei
nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a pardas já
existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”. Este é exatamente o
caso das regras voltadas à proteção da vegetação no bioma Mata
Atlântica, quando analisadas em face da recente lei florestal. Elas
permanecem, assim, em vigor.
As regras presentes na Lei 11.428/2006 coexistiam com as da Lei
4.771/1965. Assim, se estava prevista, por exemplo, reserva legal de 20%
da área do imóvel rural nas regiões abrangidas pelo bioma Mata
Atlântica, isso não significava que o proprietário ou possuidor poderia
desflorestar 80%. Impunha-se a análise da vegetação nativa existente no
imóvel, se primária ou secundária em diferentes estágios de regeneração.
Essa leitura fica mantida com a entrada em vigor da Lei 12.651/2012,
alterada pela Lei 12.727/2012. As disposições da nova lei florestal
serão aplicadas lado a lado com a disciplina jurídica da vegetação
nativa do bioma Mata Atlântica, consolidada na Lei 11.428/2006. Essa
interpretação aplica-se inclusive às ocupações consolidadas objeto dos
programas de regularização ambiental. O conteúdo desses programas e a
sua implantação nos imóveis rurais não poderão conflitar com as regras
específicas trazidas pela Lei da Mata Atlântica.
Dessa forma, fica claro que, respeitando-se as bases do sistema jurídico brasileiro, o pouco que ainda resta de Mata Atlântica permanece protegido pelos instrumentos da Lei da Mata Atlântica, a despeito das permissividades predatórias vigentes na nova lei florestal.
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