Espécies recém-descobertas passam décadas em gaveta de museu
FRANCISCO ZAIDEN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Pesquisadores franceses especialistas em biodiversidade fizeram uma
conta nada animadora: em média, passam-se mais de 20 anos entre a
descoberta de uma espécie e sua descrição, ou seja, o "batismo" formal
com um nome científico.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
O dado, que está em artigo recente na revista científica "Current
Biology", dá uma medida do tamanho do atraso que afeta o conhecimento
sobre a diversidade de espécies do planeta.
A equipe francesa, liderada por Benoît Fontaine, apelidou essa demora de
"shelf life" ("vida na prateleira", por analogia com o tempo que os
produtos duram nas prateleiras do supermercado ou da despensa).
Nesse andar da carruagem, segundo o estudo, seriam necessários muitos
séculos para descrever todas as espécies que vivem na Terra -e, sem essa
informação, fica difícil tomar decisões sobre conservação ou fazer
estudos evolutivos bem embasados.
No estudo, os pesquisadores começaram com uma lista de 16.994 espécies
descritas em 2007. Dessas, eles analisaram 600, de diferentes reinos,
escolhidas ao acaso. Tiveram acesso à data de descoberta de 570 delas e
calcularam a média do intervalo entre a descoberta e a descrição. O
resultado: 20,7 anos entre as duas datas.
O biólogo Antonio Marques, do Departamento de Zoologia da USP, diz que
essa demora se deve ao fato de que muitos espécimes, quando vão para os
museus, ficam à espera de um pesquisador que possa analisá-los.
FATOR SORTE
"Há todo o trabalho de separação e triagem. Tem de dar sorte de que
alguém que esteja trabalhando no museu tenha conhecimento do material e
que depois possa descrevê-lo", explica.
O "tempo de prateleira" pode ser menor para espécies aquáticas e maior
para espécies terrestres. Esse resultado surpreendeu os pesquisadores
franceses, que dizem não saber como explicá-lo.
Marques diz que um organismo marinho é mais difícil e mais caro de ser
catalogado e, por isso, é tratado com mais cuidado. "Ao chegar ao navio
de pesquisa, o organismo já tem uma equipe pronta à sua espera",
explica.
Há também um fator sociológico identificado pelo estudo: a divisão entre
taxonomistas (especialistas em classificação) profissionais e não
profissionais.
O "tempo de gaveta" de novas espécies descritas por profissionais é
maior do que o das descritas por não profissionais. Segundo o estudo,
muitos amadores trabalham de maneira pessoal, com projetos de menor
escala e quantidades limitadas de espécimes coletadas.
"Entretanto, pelo fato de os amadores conseguirem o mesmo reconhecimento
na descrição das espécies, eles devotam muito tempo a esse trabalho",
diz o estudo.
Para os taxonomistas profissionais, por outro lado, a mera descrição não
basta: eles ganham mais prestígio se fizerem estudos detalhados do
relacionamento evolutivo entre as várias espécies, o que atrasa o
trabalho.
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