Correta a decisão que, enaltecendo o princípio da precaução e buscando mitigar os efeitos danosos ao meio ambiente, determinou a paralisação imediata das obras localizadas em área de proteção ambiental.2. Agravo de instrumento a que se nega provimento. RELATÓRIOCuida-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, interposto pelo Estado da Bahia contra a decisão (fls. 99/104) que, em ação civil pública, deferiu liminar para determinar que o Agravante se abstivesse de praticar qualquer ato referente ao empreendimento Paradiso Laguna localizado em área de proteção ambiental do Rio Capivara, na zona costeira do Município de Camaçari/BA, "inclusive cessando imediatamente a implantação da estação de tratamento de esgoto, até posterior deliberação" (fl. 103).Irresignado, recorre o Estado da Bahia, argüindo, preliminarmente, nulidade da decisão em razão de (I) usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal, haja vista a existência de conflito federativo na espécie (fls. 8/11); e (II) ofensa ao art. 2º da Lei 8.437/92, porquanto a liminar fora deferida sem a audiência prévia do representante do Estado da Bahia (fls. 11/14).Quanto ao mérito, alega que o início das obras do empreendimento em análise fora devidamente precedido de aprofundados estudos técnicos visando ao seu licenciamento e ao rezoneamento da área pertinente, com estrita observância da legalidade e do interesse público em adequá-lo à nova realidade ambiental e compatibilizá-lo às exigências de desenvolvimento sustentável, além de estar em conformidade com o Termo de Ajuste de Conduta firmado com o Ministério Público Federal e com o princípio da precaução (fls. 14/30).Consigna que a concessão do requerido efeito suspensivo justifica-se ante o risco de perecimento de seu direito por decurso do tempo, com a postergação indefinida de ato administrativo válido e eficaz, haja vista que o empreendimento em análise levará à comunidade local e à própria proteção do meio ambiente toda sorte de benefícios, como o rebaixamento do lençol freático e o desassoreamento da lagoa, medidas que, por sua vez, impedirão futuros encharcamentos e conseqüente empobrecimento do solo (fls. 30/32).Aduz estar em xeque a própria "credibilidade licenciadora do Estado da Bahia que, por seus órgãos competentes, promoveu o regular licenciamento" (fl. 32).Às fls. 1389/1391, indeferi o pedido de efeito suspensivo.Regularmente intimados, o Ministério Público do Estado da Bahia e a Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Bahia deixaram transcorrer in albis o prazo para apresentação da contraminuta (fl. 1724). O Ministério Público Federal (fls. 1451/1490) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (fls. 1396/1408) apresentaram-na, pugnando pelo não-provimento do recurso.Nesta instância e na condição de custus legis, o MPF opinou (fls. 1726/1738) pelo não-provimento do recurso.É o relatório.VOTOInicialmente, determino seja retificada a autuação para que dela conste a correta menção às partes agravadas.Verifico que o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Estado da Bahia, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e a Ordem dos Advogados do Brasil " Seccional Bahia ajuizaram ação civil pública contra o Estado da Bahia, o Centro de Recursos Ambientais do Estado da Bahia, autarquia estadual, e a empresa Reserva Paradiso Empreendimentos Imobiliários (fls. 53/95). Nela, pleiteiam: (I) seja declarada a nulidade dos atos administrativos que, dispondo sobre o zoneamento da Área de Preservação Ambiental do Rio Capivara, alteraram-no da anterior "Zona de Proteção Visual" (ZPV), de restrição máxima, para "Zona Turística Residencial" (ZTR), de restrição moderada, emitindo licença à ora Agravante para construção da etapa 'B' do empreendimento denominado 'Paradiso Laguna', com a implantação de Estação de Tratamento de Esgoto " ETE, bem como (II) sejam reparados os danos causados pelas atividades já desenvolvidas.Em suas razões, alegaram os autores que o mencionado licenciamento haveria sido marcado por desvio de finalidade, irregularidades técnicas e indevida prevalência do interesse particular sobre o público, tudo conforme constatado em criteriosos estudos realizados e constantes dos autos do processo administrativo em anexo, atestando os relevantes impactos ambientais que decorreriam daquele empreendimento, os quais atingiriam, inclusive, ecossistemas integrantes da Zona Costeira e da Mata Atlântica.Inicialmente, afasto as preliminares.Conflito federativo na espécie não há, tendo em vista a decisão proveniente do Supremo Tribunal Federal, nos autos do processo de origem (remetidos por força de decisão no presente agravo), lá autuado como Ação Cível Originária 969, reconhecendo a Justiça Federal de primeiro grau como competente para julgar e processar essa causa.Por outro lado, não verifico ofensa ao art. 2º da Lei nº 8.437/92, pois, ainda que não tenha havido audiência prévia do representante judicial do Agravante, não se declara nulidade sem prejuízo, no caso ausente, já que a liminar não foi satisfativa e irreversível, tendo sido possível ao Agravante defender-se plenamente, tanto na instância de origem como por meio do presente recurso.Quanto ao mérito, entendo relevantes os fundamentos da decisão agravada (fls. 100/102), no sentido de que há indícios de desvio de finalidade no ato, praticado pela autarquia ambiental estadual - que, revogando a Resolução 2.872/2001, do Conselho Estadual do Meio Ambiente, alterou o zoneamento da Área de Preservação Ambiental do Rio Capivara com o propósito de propiciar indevidamente a construção da Etapa 'B' do empreendimento em causa -, forte na iminência e na intensidade dos danos ambientais que poderiam decorrer da pretendida intervenção imobiliária, bem como na presteza da expedição de licenças administrativas que haveriam abrandado as restrições ambientais tão-somente no espaço físico no qual situada a propriedade da Reserva Paradiso Empreendimentos Imobiliários (fl. 247). Esta celeridade, ressaltou a decisão agravada, haveria impedido a participação do procedimento da população afetada. A este respeito, observo que as manifestações provenientes do Movimento de Desenvolvimento Sustentável de Arembepe - MODESA, bem assim dos adquirentes do antigo loteamento Lagoa de Arembepe (fls. 148/149, 482, 503/504, 555/557) são contrapostas aos protestos das outras diversas associações comunitárias e autoridades locais (fls. 136/137, 151/159 e 173/180), no sentido de que os propalados benefícios sociais proporcionados pelo crescimento imobiliário poderiam, perfeitamente, se reproduzir nas demais áreas do Estado que, embora igualmente subaproveitadas, não apresentam restrição legal ou administrativa para edificações, haja vista não estarem, ao contrário do lançamento imobiliário em análise, às margens da referida Lagoa (fls. 1248 e 1349), que, por certo, inspirou o próprio nome do empreendimento - Paradiso Laguna.Além disso, frustrou a disposição legal contida na Lei 9.985/2000 que, ao instituir o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - constituído pelo conjunto das unidades de conservação federais, estaduais e municipais - estipulou como diretriz daquele órgão, entre outras, a de assegurar a participação efetiva das populações locais na criação, implantação e gestão das unidades de conservação (art. 5º, III).Portanto, é relevante a alegação contida na inicial da ação proposta pelo Ministério Público Federal (fl. 63), no sentido de que 250 (duzentas e cinqüenta) das 336 (trezentas e trinta e seis) unidades residenciais do Laguna Paradiso foram programadas para serem construídas na Etapa B, exatamente aquela que fora beneficiada pela alteração do zoneamento ecológico da APA do Rio Capivara, que abrange 1.800 (mil e oitocentos) hectares de extensão, nos termos do Decreto estadual 2.219 que a criou em 14.6.1993 - dos quais o empreendimento Paradiso Laguna ocuparia uma área de 96 (noventa e seis) hectares.Aliás, no parecer (fls. 1566/1584) subscrito por peritos da Delegacia de Polícia Federal, foi constatado que (fl. 1584) o empreendimento embargado encontra-se integralmente inserido nos limites da Área de Proteção Ambiental do Rio Capivara, entendimento esse coerente com outros laudos existentes, como é de ver dos fundamentos que adotei ao negar provimento ao Agravo (Ag-2006.01.00.039545-3) interposto pelo Centro de Recursos Ambientais do Estado da Bahia (CRA) contra a mesma decisão:Saliento que, em laudo subscrito por Analista Pericial do Ministério Público Estadual, foi consignado que (fl. 322) "os limites das Áreas de Preservação Permanente - APP demarcadas em campo deixam de fora expressivas parcelas em que o lençol freático mostra-se aflorante"; que (fl. 324) "o partido urbanístico proposto muito provavelmente provocará impactos significativos aos ecossistemas subordinados, como já sublinhado em laudos técnicos precedentes, não somente à paisagem, mas principalmente àqueles subordinados à dinâmica hídrica", daí que seria (fl. 326) "inconciliável com a sustentabilidade ambiental da área".Referidas considerações não destoam das conclusões (fl. 280) a que chegou o Analista Pericial do MPF no sentido da irregularidade do "rezoneamento da APA do Rio Capivara (transformação da Zona de Proteção Visual - ZPV em Zona Turística Residencial - ZTR)", havendo considerado (fl. 280) que faltou a tal procedimento a "participação democrática da sociedade, conforme determina a Lei 9.985/00, que instituiu o SNUC"; que "não foram desenvolvidos estudos específicos que se prestassem ao rezoneamento da APA do Rio Capivara e aqueles apresentados ao CEPRAM serviram tão-somente para a licença de localização"; e que tais estudos "não demonstraram claramente os impactos na qualidade ambiental da área e as conseqüências sócio-econômicas e a sua adequação às leis ambientais vigentes, conforme assegura o Decreto Estadual 8.169/02".Ressalto que os arts. 9 e 10 da revogada Resolução 2.872/2001 (fls. 237/238) expressamente dispunham que não seriam parceladas nem desmembradas as frações das áreas que contivessem Zona de Proteção Visual (ZPV), na qual não seriam permitidas novas ocupações ou ampliações das áreas ocupadas, podendo permanecer isoladas aquelas que já fossem existentes na data de publicação da referida norma - isto é, em 21 de setembro de 2001.Finalmente, ao negar provimento ao Ag-2006.01.00.039576-5 - dessa vez interposto pela Reserva Paradiso - consignei também os seguintes fundamentos, os quais ora transcrevo, porquanto em tudo pertinentes ao presente julgamento:Saliento que o procurador-chefe do CRA, no parecer de fl. 308, contradiz a tese - defendida pela Agravante (fl. 14) - de que, naquela mesma região, já haveria sido deferida licença de implantação ao empreendimento "Lagoa do Arembepe", que antecedeu o "Paradiso Laguna" (objeto da presente demanda), anotando que apenas houve um parecer favorável a tanto. Os fatos relativos a este anterior empreendimento "Lagoa do Arembepe" são rememorados na Informação Técnica do Analista Pericial da Procuradoria da República acima mencionada (fls. 252 e seguintes), onde se esclarece que, de fato, foi emitido, em março de 1994 (após a criação da APA do Rio Capivara, em junho de 1993, pelo Decreto Estadual 2.219, mas antes do estabelecimento de seu Plano de Manejo), parecer favorável à implantação do Loteamento Lagoas de Arembepe. A Prefeitura Municipal de Camaçari emitiu, então, alvará para a execução das obras em área de 56 hectares. Após o início das obras, com a movimentação de terras, elas foram paralisadas, em função do falecimento do loteador. As 58 pessoas que haviam adquirido 78 lotes entraram com representação junto ao Ministério Público Estadual. Sete anos após, sem que o empreendimento tenha sido implantado, foi editada a Resolução 2.872/2001, por meio da qual o Conselho Estadual de Meio Ambiente aprovou o Zoneamento Ecológico-Econômico da referida APA, visando a garantir a conservação das áreas úmidas associadas à planície do Rio Capivara Grande, dunas, remanescentes de restinga arbórea e manguezal, com o fito de assegurar o turismo sustentável na região. O referido ZEE criou duas zonas de restrição máxima, Zona de Proteção Silvestre - ZPS e Zona de Proteção Visual - ZPV, nesta última compreendida a Etapa B do loteamento pretendido pela Agravante. O Ministério Público da Bahia celebrou, então, com a Canadá Empreeendimentos, Termo de Ajustamento de Conduta com o objetivo de regularizar a situação dos 58 adquirentes prejudicados, devendo ser feita a reformulação do loteamento de forma a atender à legislação ambiental vigente. Dessa forma, verifico que a área do empreendimento atualmente visado, viabilizado pela reclassificação de ZPV para ZTR (96 hectares), é bastante superior à área de 56 hectares do anterior empreendimento "Lagoa do Arembepe", tendo este se iniciado sem a completude dos procedimentos de licenciamento ambiental necessários, antes do Zoneamento Ecológico-Econômico da APA, com base, ao que se depreende dos autos, em parecer não definitivo, tendo a obra sido interrompida em fase inicial, após a venda de 78 lotes. Assim, o empreendimento atualmente pretendido - 336 unidades residenciais, das quais 250 situadas na Etapa B, desclassificada de Zona de Proteção Visual para Zona Turística Residencial, é de envergadura bastante superior ao seu antecessor, utilizado como justificativa do suposto direito adquirido anteriormente à edição da revogada Resolução 2.872/2001.Ainda que assim não fosse, autorizações de ocupação daquela área que hajam eventualmente sido expedidas não tolhem o Poder Judiciário de analisar sua legalidade tampouco, diante da evidência de vícios insanáveis, impede a própria Administração de declarar-lhes a nulidade - a teor do que dispõem os enunciados 346 e 473, primeira parte, da súmula do STF.Os interesses patrimoniais dos adquirentes lesados com o insucesso do empreendimento "Lagoa do Arembepe" e da empresa sucessora do falecido loteador não autorizam o sacrifício do meio ambiente, devendo ser compostos patrimonialmente pelos responsáveis, na via própria.Noutro giro, anoto que a própria Resolução 3.310/2004/CEPRAM (fl. 172) - questionada na ação civil pública - dispôs que a licença por ela concedida poderia ser revista "em caso de manifestação contrária ao projeto por parte do Conselho Gestor da APA do Rio Capivara", circunstância que, por óbvio, afasta o argumento aduzido pela Agravante de que a anulação daquele ato, em sede judicial, violaria o princípio da segurança jurídica.Os prejuízos que se comprovem haver sido causados aos terceiros adquirentes podem ser ressarcidos pelo manejo das competentes ações regressivas; a vultosa transformação de área de preservação ambiental, ao revés, não poderia ser composta. Nesse sentido, acórdão do Superior Tribunal de Justiça assim ementado:'(...) LOTEAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA NÃO CARACTERIZADOS.(...)2. Há de se prestigiar a decisão de primeiro grau que, com base nas provas reunidas nos autos, concluiu que o empreendimento questionado violou a legislação protetiva do meio ambiente vigente à época de sua implantação (Leis n. 6.931/81 e 4.771/65-Código Florestal).3. Hipótese em que o periculum in mora se contrapõe aos interesses dos virtuais adquirentes dos imóveis em vias de serem edificados na área impugnada.' (AgRg na MC-7.031/SC, Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 5.5.2004.)Tal o contexto, correta a decisão que, enaltecendo o princípio da precaução e buscando mitigar os efeitos danosos ao meio ambiente, determinou a paralisação imediata das correspondentes obras. Os pareceres em que se baseiam o Ministério Público e a OAB, da Bahia, além de não serem conclusivos no sentido da ausência de impacto ambiental, porque recomendam a continuidade da obra desde que adotadas, pelo empreendedor, as medidas compensatórias neles sugeridas, não me parecem suficientes, em análise liminar, para infirmar as alegações do MPF e do IBAMA, também embasadas em pareceres científicos, de forma a revogar a decisão agravada, permitindo a realização de empreendimento que acarretará alteração irreversível no local.Em face do exposto, confirmando a decisão de fls. 1389/1391, nego provimento ao agravo de instrumento.É como voto.
texto extraido do site: http://www.nacionaldedireito.com.br/jurisprudencia/74305/agravo-de-instrumento-ambiental-a-o-civil-p-blica-rea-de-prote-o-obras-paralisadas-1-corret
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