Fotos: Tiago Melo / BN
Secretário do Meio Ambiente, Eugênio Spengler, falou ao BN sobre os entraves na pasta que a levaram a uma reformulação administrativa
Bacharel em Filosofia, o catarinense Eugênio Spengler se consolidou como quadro técnico em políticas ambientais. Ex-militante do Partido dos Trabalhadores de Florianópolis, cuja filiação foi recentemente transferida para Salvador, foi convidado no começo do governo Wagner para auxiliar o mandatário na estruturação da Secretaria do Meio Ambiente (Sema), pasta que acabou por assumir no início do segundo mandato do petista. Ele se mostra pragmático em seu discurso sobre o embate desenvolvimento X preservação e não acredita que a concessão de licenças ambientais seja a grande vilã no atraso de obras de infraestrutura no estado. “Eu acredito muito que o processo do desenvolvimento sustentável é um processo que tem que ser construído com muito diálogo. Nós temos que sentar com a área econômica, com o setor ligado ao conservacionismo e o governo tem o papel de mediador. A Secretaria de Meio Ambiente tem que, necessariamente, servir como mediadora nesse processo”, afirma. Spengler explica que as reformas por qual a Sema passará dinamizarão o processo de concessão para investimentos no Estado. Ele também fala sobre Porto Sul, o novo Código Florestal e as críticas ao novo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema) e a perda de autonomia do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cepram). Confira aqui a entevista completa com o secretário do Meio Ambiente.
Por Felipe Campos
Bahia Notícias – Sobre o grande entrave da licença ambiental. Parece que no governo Wagner, muito da culpa no atraso de grandes obras de infraestrutura é apontada para a questão das licenças ambientais. Até que ponto isso é verdade? Por que ela vem sendo tão criticada pelos empresários e, inclusive, por membros do governo? Afinal, a licença é hoje a grande vilã no atraso das obras da Bahia?
Eugênio Spengler - Não diria que ela é a grande vilã. Nós temos problemas em relação ao processo de licenciamento ambiental aqui no estado e que tem várias causas. Um delas é porque nós temos hoje um número reduzido de técnicos que atuam no setor e, diante disso, o governo já está prevendo a realização de um concurso público para prover o instituto de maior capacidade técnica. Outro fator que é preponderante nessa questão, e que já estamos revendo, são procedimentos e normas de licenciamento que também contribuem para a morosidade em alguns momentos do processo. Vale a pena destacar também a questão do aumento exponencial da demanda por licenciamento. O Brasil passa, principalmente nestes últimos cinco, seis anos, por um grande crescimento econômico. Isso demanda maior investimento e também uma maior procura na licença ambiental. Então você tem um crescimento na demanda e uma diminuição ou manutenção da estrutura da capacidade atual dentro dos órgãos. Outro fator que vale a pena também ser destacado são projetos mal elaborados que são entregues ao IMA [Instituto do Meio Ambiente]. E isso dificulta bastante o processo de licenciamento. Outra coisa, que está na raiz disto, é a fragmentação no processo de análise. Hoje, por exemplo, um empreendimento que demanda outorga pelo uso da água, anuência da unidade de conservação, supressão de vegetação e licenciamento passa basicamente por três órgãos e quatro instâncias. Isso sim é um problema para o empreendedor e para nós, pois demanda mais gente envolvida e fragmenta a análise dos processos. O grande desafio nosso é criar um modelo que permita a integração desses processos todos.
BN – Este seria então um dos argumentos do Estado para defender a fusão do Ingá [Instituto de Gestão das Águas] com o IMA? Seria uma forma de agilizar o processo?
Eugênio Spengler - Na verdade, a fusão é focada em um pouco mais do que simplesmente na licença ambiental. Nós temos um problema que vale a pena ser destacado que é o seguinte: você tem fragmentação de todas as políticas. Por exemplo, o Ingá trata da questão da gestão de águas. Ele tem a responsabilidade da questão dos comitês de bacias, plano de bacia, enquadramento das bacias hidrográficas, o cadastro de usuários de recursos hídricos, a cobrança pelo uso da água e também a organização da agência de bacia. Muitas vezes, pela divisão na instituição, essa política não dialoga com a política florestal, que está intrinsecamente ligada. Então, você não tem a preservação de mananciais hídricos e áreas de recargas, se você não preservar a vegetação natural ativa. O principal elemento motivador da fusão dos dois institutos é justamente a necessidade que nós temos de integrar as políticas e isso repercute também no licenciamento ambiental, que será todo feito em um único instituto que será chamado de Inema [Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia].
"Outro fator que vale a pena também ser destacado são projetos mal elaborados que são entregues ao IMA [Instituto do Meio Ambiente]. E isso dificulta bastante o processo de licenciamento"
BN – Há críticas de setores especializados de que essa fusão causará alguns cortes. Haverá demissões, haverá uma redução no tamanho da estrutura da secretaria?
Eugênio Spengler - Não, não. O que nós estamos reduzindo são cargos de confiança. Mas a previsão nossa, e o governo já tem essa posição definida, é a realização de concursos para aumentar o número de funcionários de acordo com a necessidade que nós temos. E também reforçar e fortalecer as unidades regionais para que parte das atividades, principalmente de licenciamento, ao invés de serem realizadas aqui [Salvador], possam migrar para escritórios regionais. E obviamente quando você tem mudança de governo, mudança de estrutura, algumas pessoas que estão na função de coordenação podem ser substituídas. Mas não haverá, em hipótese alguma, redução no número de funcionários.
BN – Ainda dentro dessa reforma estrutural na secretaria, a oposição também critica a perda de autonomia do Cepram [Conselho Estadual do Meio Ambiente] para julgar licenças ambientais de grandes empreendimentos. O senhor poderia explicar essa reformulação?
Eugênio Spengler - Essa pergunta é extremamente importante pelo seguinte: o Cepram se mantém como um conselho consultivo, deliberativo, normativo e recursal. Ele interfere no licenciamento através da discussão de normas técnicas e normas procedimentais. E de fato, a reforma o faz perder o caráter licenciador. Hoje no estado da Bahia todo o procedimento que passa pelo estudo de impacto ambiental, passa por análise do Cepram. Por que ele está perdendo este caráter? Por uma questão muito simples: nós defendemos, e particulamente eu sou muito radical nesse processo, que para que o Estado funcione, as instituições têm que ter o seu papel bem definido e exercer com autonomia. E a análise de licenciamento é uma atribuição do órgão executivo. Enquanto que o Cepram é um órgão colegiado com a participação da sociedade que tem a função normativa de discussão das políticas. É simplesmente isso: é reconduzir o papel do Cepram àquilo que lhe compete.
"Não é autoritário do governo porque o governo está preocupado em que as instituições exerçam efetivamente o seu papel"
BN – Vou citar duas afirmações de críticos ao projeto e gostaria que o senhor rebatesse: primeiro uma carta assinada por organizações ambientais que diz que a reforma faria com que “deixasse de existir o controle democrático e preventivo da sociedade sobre empreendimentos ambientalmente problemáticos para prevalecer apenas o critério monocrático de um dirigente estadual, que não estará imune a conhecidas influências em suas decisões”. Outra afirmação, dessa vez de um deputado da oposição (Paulo Azi – DEM), fala que “tornar essas atribuições exclusivas ao governo do estado é um retrocesso que nem os regimes autoritários tiveram a coragem de fazer”. Como o senhor se posiciona frente a estas declarações?
Eugênio Spengler - Primeiro eu reafirmo que a função do Cepram é normativa, consultiva e de discussão da política. E o controle social se faz aí. Não é colocando um condicionante ou outro numa licença que se dá o controle social. O controle social se dá quando você define normas, quando você tem os espaços de participação da sociedade, seja no Cepram, seja nos conselhos setoriais, seja nas conferências de políticas ambientais. Segundo aspecto: não é um dirigente que decide o licenciamento. O processo é feito através de um estudo técnico. Esse estudo é definido de acordo com a tipologia do empreendimento e o grau de impacto possível. E também é feito através de uma análise multisetorial, com equipes multidisciplinares. E cabe ao dirigente apenas assinar e acatar a decisão de um grupo técnico. Portanto não é uma decisão autocrática, de apenas uma pessoa. É uma análise a partir de estudos que se baseiam em normas e procedimentos aprovados pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente, ou pela Assembléia, ou mesmo o Congresso Nacional, ou o Conselho Nacional do Meio Ambiente. Vou te dizer o seguinte: na maioria dos estados, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pernambuco, Ceará... Na grande maioria dos estados o conselho não avalia a licença. E nem por isso você perde qualidade no processo. Isso é uma característica de Minas Gerais que foi importada para a Bahia. Não é autoritário do governo porque o governo está preocupado em que as instituições exerçam efetivamente o seu papel. Isso é próprio da democracia, isso é próprio do fortalecimento da estrutura do Estado. A democracia é feita com as instituições fortalecidas e cumprindo seus papéis. Quero ressaltar que nós estamos ampliando a participação no conselho. O Cepram conta hoje com 21 titulares e na proposta que apresentamos ele passa a ter 30 membros,sendo 10 do setor econômico, 10 da sociedade civil e 10 do governo. Nós estamos incluindo prefeituras municipais e o governo federal. Na sociedade civil, nós estamos trazendo vaga para movimentos sociais urbanos que não estão garantidos e comunidades e povos tradicionais. Outra consideração que estamos levando no Cepram é a distribuição no setor por biomas da Bahia. Hoje nós temos grande parte do conselho concentrado na região do litoral baiano e principalmente na região metropolitana. Acaba que o Cepram não reproduz a realidade de cada região do estado. É fundamental que a gente tenha essa composição mais democrática e mais completa.
"O que nós estamos reduzindo são cargos de confiança. Mas a previsão nossa, e o governo já tem essa posição definida, é a realização de concursos para aumentar o número de funcionários"
BN – Falando agora na política energética para o estado e o pleito do governo para a instalação de uma usina nuclear em território baiano. Os novos acontecimentos no mundo alteraram a intenção do governo?
Eugênio Spengler - Primeiro: a Bahia tem uma das maiores reservas de urânio no Brasil que está na região de Caetité. Nós não podemos desconsiderar isso. Sobre a questão nuclear eu gostaria de fazer uma reflexão que é a seguinte: o Brasil está vivendo uma discussão rica da questão da matriz energética. Nós aqui na Bahia temos um grande potencial de energia eólica. Prevê-se para os próximos 15, 20 anos, investimentos que podem chegar a mais de 100 bilhões de dólares nessa fonte energética que é totalmente limpa no seu uso. Ela surge também como grande possibilidade de desenvolvimento sustentável para essa que é uma das regiões mais pobres do Brasil que é o semi-árido. Há uma demanda também aqui no estado por PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas). São barragens de menor porte que geram uma quantidade menor de energia e é uma experiência que tem dado muito certo, principalmente na região sul do país. O que nós da secretaria defendemos é que se faça uma boa discussão em torno da questão da matriz energética e aproveitamento dos nossos potenciais energéticos. E eu entendo que nessa discussão nós não podemos deixar de considerar também a viabilidade ou não do uso da energia nuclear.
BN - Você falou da questão da energia eólica. Em um evento que contou com a participação do senhor, o diretor de operações da Renova Energia, Renato Amaral, fez uma crítica sobre a concessão de licenças que estaria impedindo, inclusive, que a energia chamada limpa se expanda pela Bahia. Como seria isso?
Eugênio Spengler - É aquilo que nós falamos no início. Nós temos uma deficiência grande no processo e realmente isso afeta todos os setores da economia que vêm a investir na Bahia. Fazemos um esforço muito grande para tentar equacionar e equalizar essa questão. No caso da energia eólica, está indo para o Cepram uma proposta de resolução e de norma de licenciamento que simplifica bastante o processo. Nós estamos trabalhando no setor de energia com uma lógica que é a seguinte: simplificar o procedimento daquelas fontes menos agressivas ao meio ambiente.
"A Bahia tem uma das maiores reservas de urânio no Brasil que está na região de Caetité. Nós não podemos desconsiderar isso"
BN - Sobre o novo Código Florestal, setores do governo baiano levantaram a bandeira da remoção do Artigo 47 que afeta diretamente questões do território do estado Por que esse pleito?
Eugênio Spengler - Em relação ao Artigo 47, nós acreditamos no seguinte: a moratória de supressão de vegetação no cerrado e na caatinga não resolve o problema. A maior fronteira agrícola do Brasil está no cerrado. Bahia, Piauí... E há uma demanda mundial em alimentos que remete ao Brasil uma responsabilidade de abastecimentos do mercado internacional. Obviamente que a gente quer que esse desenvolvimento da agricultura se dê de forma sustentável. Mas não é criando uma barreira dessas que é quase intransponível. Além do fato de que, na nossa visão, vai aumentar o desmatamento ilegal e as queimadas criminosas. A preocupação nossa é em relação a isso. Nós vamos licitar, acredito que até o final de maio, a contratação do plano de bacia das três bacias hidrográficas da região oeste da Bahia. E dentro do plano, nós vamos incluir também os aspectos de gestão florestal, estabelecendo cortes de corredores de biodiversidade. Estabelecendo os limites para a supressão da vegetação.
BN - O senhor tem um discurso mais pragmático em relação às políticas ambientais. Em outra ocasião já afirmou que não acredita em “fórmulas mágicas” na questão da gestão florestal...
Eugênio Spengler - Hoje ou a gente trabalha com gestão e com fortalecimento dos instrumentos, com capacitação do pessoal, coisas simples e eficientes, ou a gente fica fazendo malabarismos e que não resolve nada. Eu acredito muito que o processo do desenvolvimento sustentável é um processo que tem que ser construído com muito diálogo. Nós temos que sentar com a área econômica, com o setor ligado ao conservacionismo e o governo tem o papel de mediador. A Secretaria de Meio Ambiente tem que necessariamente servir como mediadora nesse processo. Nós não somos contra o conflito, muito pelo contrário. O contraditório é fundamental na democracia para você construir desenvolvimento. O papel do Estado é mediar esses vários interesses da comunidade e tentar criar o ambiente favorável para o desenvolvimento social, econômico e sustentável.
BN - Embora a licença seja do Ibama, é inevitável tocar no polêmico assunto da concessão da área para construção do Porto Sul. Até que ponto a secretaria está participando para ajudar nesse imbróglio?
Eugênio Spengler - A secretaria tem um papel importante na questão de qualquer investimento no estado. A grande responsabilidade que nós da secretaria temos em relação a qualquer empreendimento que venha para a Bahia, independentemente de quem é o responsável pelo seu licenciamento, é a orientação do governo para que ele adote os cuidados necessários pela questão ambiental. Então esse é um aspecto importante. Temos acompanhado e temos dado orientação.
"Em relação ao Artigo 47, nós acreditamos no seguinte: a moratória de supressão de vegetação no cerrado e na caatinga não resolve o problema"
BN - Ainda sobre o Porto Sul, o próprio governador Jaques Wagner e o secretário James Correia falaram do uso do discurso ambiental em benefício de interesses empresariais. Você acredita nisso?
Eugênio Spengler - Eu acho que tem gente que se aproveita da preocupação de setores ambientalistas. Eu não acredito que os ambientalistas estejam a serviço de alguém que não quer que a Bahia se desenvolva. A preocupação com a preservação é legítima, embora eu possa não concordar.
BN - Puxando para o enfoque político. Você foi chefe de gabinete do antigo gestor Juliano Matos, do PV, e agora é o titular. Sua indicação partiu de uma orientação da antiga legenda, ou sua ascensão representou uma ruptura com a forma do Partido Verde conduzir a pasta?
Eugênio Spengler - Não, não. Tenho muitos amigos no Partido Verde e sou filiado ao PT já de muitos anos. Fui militante em São Paulo e vim como consultor da secretaria já no governo de Jaques Wagner. Tenho o convite do governador para auxiliar e ajudar a estruturar uma secretaria que tem o foco bastante técnico. Mas eu estou com minha vida estruturada aqui.
BN - Existiria alguma ambição política por parte do senhor?
Eugênio Spengler - Não, não. A minha fase de missão política passou na fase do movimento estudantil.
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